A
Biblioteca ontem e hoje
Raphael de Oliveira Reis[1]
Se você parar um instante e tentar lembrar-se da
última vez em que esteve em uma biblioteca ou, mesmo que nunca tenha estado em
uma, certamente irá ter a sensação de que este espaço é para aqueles que se
dedicam horas e horas de leitura, de pesquisas, e que junto a essas atividades
é cultivado o silêncio e a ordem. E ser for uma biblioteca minimamente
organizada, a lembrança será um lugar onde as prateleiras são dispostas em
ordem e limpas, para facilitar o acesso e a preservação das obras. Porém, ao
contrário, você poderá recordar daquelas bibliotecas com infiltrações,
empoeiradas, que nem de longe se pretende entrar e assusta qualquer um.
Mas, afinal, o que é biblioteca? Onde ela surge?
Como ela era no passado? E como ela é vista hoje?
A origem e o significado de biblioteca vêm do grego bibliotheke, que significa caixa para
guardar livros. A biblioteca mais antiga que se tem notícias remonta ao século
VII a.C. Foi formada por Assurbanipal, rei da Assíria, no intuito de preservar
arquivos, relatórios e documentos, que eram gravados em placas de argila. No
entanto, estes eram de acesso restrito, exclusivo aos reis, nobres,
conselheiros, escribas e sacerdotes. (KLEBIS, 2009)
Uma das bibliotecas mais famosas da antiguidade era
a Biblioteca de Alexandria, a qual contava com um acervo de 500 mil rolos (uma
obra podia ocupar, sozinha, de dez a trinta rolos), tendo como objetivo
acumular o conhecimento produzido até então - era a busca do universal, um
desejo de conter, num único lugar, todo o saber produzido pelo homem, toda a
sabedoria.
Saindo da Antiguidade e entrando na Idade Média, na
Europa Ocidental, sob o domínio político e cultural da Igreja Católica, as
bibliotecas ficaram confinadas aos mosteiros, utilizadas somente pelos clérigos.
Somente a partir do século XIII, com o surgimento das universidades, como a
Sorbonne, na França, que iniciou a formação de acervos independentes aos
religiosos, embora também o acesso fosse destinado aos eruditos, estudantes e
professores.
Conforme Battles (2003, p. 80)
[...]
o rápido crescimento no número de códices marcou uma mudança qualitativa e
quantitativa na natureza da biblioteca. De fato, em meados do século XIII, os
livros da faculdade não estavam nem mesmo reunidos numa biblioteca. Ficavam distribuídos
entre os professores, que os utilizavam em suas atividades de ensino. Era só quando
um professor viajava que os livros usados por ele ficavam armazenados em arcas
acessíveis a todos.
Junto ao surgimento da universidade, inicia-se uma
importante prática, segundo Chartier (1999), a prática da leitura em silêncio,
pois começam a ser numerosos aqueles que leem sem murmurar, sem ler em voz
alta, portanto a leitura passa a ser praticada solitariamente, em ambientes sem
interferência de ruídos.
Mesmo após outra importante mudança, com a imprensa
de Gutemberg, no século XV, o que produziu uma proliferação de bibliotecas,
essas ainda continuavam a serem acessadas pelas elites. Segundo Battles (2003, p.
76) “as grandes bibliotecas não surgiram em virtude da economia ou da eficácia
da página impressa, que mais tarde viriam a temer. Estavam mais ligadas ao
apetite que duques, mercadores e papas tinham por esse novo tipo de erudição
congênita ao Renascimento”.
As bibliotecas também não passaram despercebidas
pela Inquisição, que condenava à fogueira inumeráveis obras da Antiguidade e de
outros tempos, por serem consideradas heréticas, pagãs ou anticristãs. Nesse
período, muitas bibliotecas esforçaram-se em preservar obras inestimáveis de
seus acervos da intolerância que assolou o ocidente durante a Inquisição
Católica. O terror promovido pelo Santo Ofício foi sentido pelos bibliotecários
do século XVI.
Já nos séculos XVII e XVIII, com o crescimento do
número de obras e com o surgimento de grandes bibliotecas universais, como a
biblioteca da universidade de Harvard na América, os grandes desafios eram a
organização, a preservação e a conservação de seus acervos, muitas vezes
oriundos da generosidade de seus doadores, que não se furtavam a fiscalizar o destino
e a manutenção de suas valiosas doações. (KLEBIS, 2009)
Já a preocupação do século XIX aponta para uma nova
perspectiva, isto é, ampliar o acesso à biblioteca, fazer com que ela tenha uma
função social e um compromisso com a formação de seus leitores. Contudo, essa
ideia resgatada no século XXI, passou por maus momentos no século XX, já que
neste vivenciamos através dos regimes totalitários e ditatoriais novas formas de
destruir livros e de instrumentalizar essa destruição.
Já no Brasil, segundo
Santos (2010), a história das bibliotecas, até o início do século XIX, pode ser
resumida em três etapas sucessivas, a saber: Bibliotecas dos Conventos e Acervos
Particulares, Fundação da Biblioteca Nacional e Criação da primeira biblioteca
pública, a da Bahia.
No Brasil Colônia
aparecem os primeiros acervos particulares, embora este período ficasse marcado
pelos acervos das ordens religiosas, nos monastérios, principalmente com os
Jesuítas. No entanto, com a extinção da Companhia de Jesus, devida expulsão realizada
por Marquês de Pombal, em 1773, os acervos dos Jesuítas ficaram em lugares
impróprios, prejudicando o acesso, bem como a preservação. É válido lembrar que
os acervos das bibliotecas religiosas coibiam uma séria de leituras e o acesso
era restrito, somente aos que faziam parte das ordens.
Com a vinda da Família
Real ao Brasil, há a transferência da Real Biblioteca, com um acervo aproximado
de 60 mil peças, sendo o início da fundação da Biblioteca Nacional, a qual foi
inaugurada oficialmente em 1811, nas instalações do Hospital da Ordem Terceira
do Carmo. O seu acesso, no entanto, era restrito, mediante prévia solicitação
de estudiosos (SANTOS, 2010). Com o advento da Independência, a Real Biblioteca
passou-se a denominar Biblioteca Nacional. Seu acervo foi montado a partir de
aquisições e doações. Por outro lado, no mesmo ano da transferência da real
Biblioteca, tivemos a criação da Biblioteca Pública da Bahia, a qual é considerada
a primeira biblioteca pública do país, visto que a Real Biblioteca já existia
em Lisboa, pois só foi transferida.
Pelo que foi exposto
até o momento chegamos ao século XXI com duas características que ainda
permeiam as bibliotecas atuais, a saber: um espaço privilegiado ou acessado por
poucos e com uma finalidade de reunir o conhecimento produzido pelos homens ao
longo do tempo e espaço e que é importante para a memória e conhecimento.
Em suma, segundo Klebis (2009, p. 13-14):
As
bibliotecas sintetizam essas muitas vertentes herdadas ao longo dos séculos, de
modo que as imagens que as representam hoje incorporam traços muitas vezes
indiscretos dessa herança cultural milenar que faz da biblioteca um espaço
plural, em que se confluem diferentes modelos arquitetônicos e funcionais;
diversas formas de organização, disposição e circulação de acervos; variadas
condutas e posturas de bibliotecários e consulentes; múltiplas práticas de
leitura e infinitas possibilidades de relacionamento entre leitores e livros.
Hoje, através das políticas públicas existentes
como, por exemplo, no Brasil, com o Plano Nacional do Livro e Leitura, a
principal tarefa da biblioteca é democratizar o acesso ao livro, à leitura, à
informação, embora sua concepção esteja mudando para a de Centro Cultural, já
que a tendência é que a biblioteca seja um espaço de interação com as novas
tecnologias (novos suportes do livro) e outras artes, além de que sua disposição arquitetônica
está sendo adaptada às novas formas de prática da leitura, isto é, há sofás
para o leitor ler deitado, pufes e outras cadeiras mais aconchegantes (Cf. Biblioteca Mario de Andrade - SP,
Biblioteca de Manguinhos -RJ e a de Niterói -RJ).
A nosso ver, a Biblioteca do século XXI, além de ser
um importante espaço cultural, deve tomar para si a importante tarefa de ser
uma mediadora da leitura, da formação de leitores, enfim, de um trabalho de
politização de leitores e de práticas de leitura.
Referências:
BATTLES, Mathew. A conturbada
história das bibliotecas. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2003.
CHARTIER, Roger. A aventura do
livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora UNESP/Imprensa Oficial do
Estado de
São Paulo, 1999.
KLEBIS, Carlos Eduardo de Oliveira.
Bibliotecas e leitores: as heranças culturais através da História das
Bibliotecas. Revista Conteúdo, Capivari, v.1, n.2, jul./dez. 2009.
SANTOS, Josiel Machado. Bibliotecas no
Brasil: um olhar histórico. Revista Brasileira de Biblioteconomia e
Documentação, Nova Série, São Paulo, v.6, n.1, p. 50-61, jan./jun.
2010.
[1] É
Mestrando em Educação (PPGE-UFJF), Especialista em Políticas Públicas (UFJF) e
Graduado em História (UFJF).