sexta-feira, 30 de março de 2012

“Prefiro Não fazer”: uma forma de protesto ao Capitalismo

“Prefiro Não fazer”: uma forma de protesto ao Capitalismo



Raphael de Oliveira Reis[1]



Como já dissemos em outras oportunidades, uma boa obra é aquela que permite ao leitor um leque de interpretações, as quais são aceitas, mas nem sempre aceitáveis. Além disso, uma boa obra é aquela que nos diz algo, que faz sentido em nossa existência.

Bartleby: o escriturário, de Herman Melville (autor da famosa obra Moby Dick) é mais um livro que movimenta a criatividade dos críticos literários e do leitor comum, pois permite vários pontos de partida, bem como de chegada, devido ao comportamento atípico do protagonista Bartleby[2].



Eu, particularmente, parto da perspectiva de que o comportamento de Bartleby rompe com valores éticos, ou melhor, com o ethos do sistema capitalista, numa possível forma de “protesto”, de desencantamento; mesmo não consciente, não revolucionário, apático, mostrando a frieza das relações sociais[3] que tal sistema estabelece e reproduz como natural.

Uma das idéias principais do liberalismo é que os homens são iguais, haja vista que são proprietários (seja dos meios de produção ou de sua força de trabalho). Quando o advogado (não é mencionado o seu nome[4]), dono do escritório e narrador da história) chama Bartleby para revisar um documento, e este rompe com a normalidade aceita por todos, dizendo “Prefiro Não Fazer”, na verdade, recusa colocar a sua força de trabalho em disponibilidade, deixa de ser proprietário, logo é alguém estranho. Inclusive, essa atitude (de deixar de ser um bom trabalhador, de romper com a disciplina do trabalho, leia-se produtivo) irrita os outros dois trabalhadores do escritório, pois na divisão do trabalho há a necessidade de cooperação, para aumentar a produtividade, fazendo com que eles tentem persuadir Bartleby, mesmo que fosse necessária a violência para isso.

Porém, numa atitude racional de um homem capitalista, se assim o fosse o advogado, o mais correto seria despedi-lo, mas não consegue. Há alguma coisa em Bartleby que lhe desperta atenção.

Segue uma sucessão de ordens, no entanto, todas elas são rechaçadas com a famosa frase: "prefiro não fazer". Aumentando a pressão sobre o que fazer, o advogado tenta algumas alternativas (compaixão a la caridade cristã – dar dinheiro para que Bartleby deixasse o local de trabalho e procurasse outros afazeres -, que resolveria o problema, pelo menos do ponto de vista do advogado), porém não deu certo. Muda de escritório, contudo Bartleby permanece no prédio. Aqui há outro dado interessante: há uma fusão de Bartleby (corpo) com o espaço de trabalho, confundindo-se com o local de trabalho, não tem para onde ir. E assim, por quebrar a normalidade, Bartleby é preso como vadio (perceba que essa é uma prática que está relacionada às leis inglesas do século XVII, na Inglaterra), nas quais aqueles que não conseguiam trabalhar devido aos cercamentos, eram presos por vadiarem pelos centros urbanos.

Outro ponto do liberalismo é colocar o mercado como centro das relações, isto é, tudo é mercadoria, inclusive as relações humanas e os sentimentos. É um individualismo como valor radical, no qual as pessoas são guiadas por desejos e interesses, e não por laços de solidariedade, de interesses coletivos, e sim por interesses individuais para obterem vantagens. E não é à toa, que o título original tinha como subtítulo uma história de Wall Street (coração do mundo financeiro nos EUA).

Ao final, parece que há uma lucidez do narrador desta realidade, quando este apreende ou dá sinais de começar a compreender o humano, através de Bartleby, fazendo uma relação metafórica entre carta extraviada (para o carteiro é uma simples carta, mas para quem a receberia ou a enviou, não) com sua relação (humanidade) com Bartleby.

Ao final, as últimas palavras do narrador são: “Ele (Bartleby) era um homem a quem a prosperidade fazia mal” (grifos meus). E “Ah, Bartleby! Ah, humanidade!

Sobre Herman Melville:





[1] É Mestrando em Educação (UFJF), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Social (UFJF) e Historiador (UFJF). É Edittor da Revista Encontro Literário e integrante do Grupo Prazer da Leitura. Atualmente, trabalha como Professor de Suporte Acadêmico no Caed-UFJF, Assessor Político e ministra cursos na área da formação do leitor e formação política.
[2] Conferir a dissertação de mestrado “Bartleby, de Herman Melville, e Begrebet Angest, de Søren Kierkegaard: possível aproximação” [Mestrado em Teoria Literária, PUCRS, 2002], de Vinícius Figueira.
[3] Ao fazer essa escolha estou excluindo outras possibilidades de análise, isto é, deixando outros ângulos de lado, porém o leitor poderá ter contato com essas outras reflexões na dissertação supracitada. Nesta perspectiva que estou adotando não percebo contradições de classe, mas sim um rompimento com o ethos do Sistema Capitalista.
[4] Creio que a ausência do nome do narrador deve-se ao fato de expandir suas características de sujeito a tantos outros que possam se identificar, ou seja, seria uma identidade coletiva.

terça-feira, 27 de março de 2012

Edital 03 - 2012: Seleção de Contos



Edital 03 - 2012 (Conto)

A Revista Encontro Literário, inscrita no ISSN 2237-9401, tem como objetivo fomentar a produção literária, bem como estimular o prazer da leitura. Para isso, publicaremos dois editais: o do primeiro semestre será dedicado ao gênero Conto e o do segundo semestre ao gênero Poesia.

REGULAMENTO
Art. 1º – A Revista Encontro Literário, por meio deste edital, abre inscrições para publicação de Contos, com temática livre.
§ 1º – As inscrições são gratuitas.
§ 2º – Ao se inscreverem, todos os candidatos aceitarão automaticamente todas as cláusulas e condições estabelecidas no presente regulamento.
Art. 2º - Serão consideradas duas categorias, a saber: Categoria Juvenil (de 12 aos 17 anos) e Categoria Adulta (a partir de 18 anos)

Das inscrições
Art. 3º – O edital é aberto a todos os interessados, desde que o texto seja escrito em língua portuguesa.
Art. 3º – As inscrições serão realizadas através do e-mail revistaencontroliterario@yahoo.com.br no período de 5 de março a 30 de abril de 2012.
Parágrafo único – Não serão aceitos textos discriminatórios, pornográficos ou que façam apologia às drogas.
Art. 4º – Cada participante pode se inscrever com 1 (uma) produção literária. Os contos devem ser inéditos, ou seja, que ainda não tenham sido publicados em livros, jornais ou outros meios.
§ 1º – Os contos devem ser enviados em arquivo Word (preferencialmente versão 2003), para o e-mail revistaencontroliterario@yahoo.com.br, com pseudônimo e título.
§ 2º - Em arquivo separado da obra, devem ser enviadas as seguintes informações: título da obra, pseudônimo, nome completo, endereço completo, telefone de contato e e-mail, bem como uma mini-biografia.
§ 3º - No campo assunto, deve ser mencionada a categoria pertencente (juvenil ou adulta).
§ 4º - Os trabalhos devem ser digitados em editor de texto eletrônico Word (preferencialmente versão 2003), seguindo as seguintes configurações:

a) Fonte Arial ou Times Roman, tamanho 12;
b) Espaçamento entre linhas de 1,5 cm.
c) Cada conto não deve exceder o limite de 02 (duas) laudas.


Art. 5º – Serão selecionados 3 (três) contos em cada categoria, para publicação no site da Revista Encontro Literário, inscrito no endereço www.revistaencontroliterario.blogspot.com
§ 1º – Ao enviar as produções literárias, o participante tem a plena consciência de que autoriza a Revista Encontro Literário a publicar suas obras sem nenhuma espécie de ônus para a Revista.

Premiação
Art. 1º - Os autores que tiverem seus contos selecionados para publicação, receberão como premiação:
a) Categoria Juvenil: 1 (um) exemplar da obra O Cão dos Baskervilles, de Sir Arthur Conan Doyle, 1 (um) exemplar da obra Contos que Machado de Assis e Jorge Luis Borges Elogiaram, de Raphael Reis e 1 (uma) Menção Honrosa.
b) Categoria Adulta: 1 (um) exemplar da obra A Dama do Cachorrinho, de Anton Tchekhov, 1 (um) exemplar da obra Contos que Machado de Assis e Jorge Luis Borges Elogiaram, de Raphael Reis e Menção Honrosa.

Da comissão julgadora
Art. 6º – A Comissão Julgadora é composta pelos editores e colaboradores da Revista.
Parágrafo único – A Comissão Julgadora terá autonomia no julgamento, isto é, a decisão da comissão é irrevogável.
Do resultado
Art. 7º – O resultado do Concurso será divulgado, em maio de 2012, no site www.revistaencontroliterario.blogspot.com. A publicação das obras selecionadas acontecerá no mesmo mês.

Das disposições finais
Art. 8º – Os casos omissos serão decididos pelos Editores da Revista.

Juiz de Fora, 10 de fevereiro de 2012.

Editores

Aílton Augusto
Paulo Tostes
Raphael Reis

quinta-feira, 22 de março de 2012

Franz Kafka e a metamorfose por vir

Marcado por conflitos com o pai, a pátria, com a língua e a literatura, enfim, Franz Kafka só encontraria a redenção após a sua morte, com a consagração de sua obra. Nesse contexto, vale destacar em que mundo nasceu, cresceu e escreveu o grande escritor tcheco. De início, a cidade de Praga, nas duas últimas décadas do séc. XIX, era uma cidade em “metamorfose”, numa alusão à sua obra mais conhecida e uma das mais lidas, dentre os clássicos da literatura universal. Na verdade, a antiga Tchecoslováquia só passou a existir em 1918, quando uma Constituição temporária criou o Estado Democrático, e Praga ainda era parte do Império Austro-Húngaro, sob a monarquia dos Habsburgos. A camada mais pobre da população era composta, principalmente, por industriais, banqueiros e altos funcionários da burocracia – universo que marcaria bastante as relações emblemáticas dos personagens de Kafka. Aliás, o seu pai era um pequeno industrial. A língua era o alemão, considerado a língua dominante, enquanto a grande massa de operários, pequenos assalariados e camponeses falava tcheco. O clima de tensão parte daí, pois foi um dos momentos mais críticos da história mundial em que a língua, mais do que dividir dois povos distintos, criava diferenças e discriminações dentro de um mesmo país. Não por menos, Kafka leva às últimas consequências esse clima hostil, marcando, inclusive a obra A Metamorfose, na qual Gregor Samsa desperta de um sonho perturbador para retratar toda a ambiência psíquica e moral de seus familiares, que bem podem representar aqui todo aquele clima de tensão por que passava o esfacelado país de Franz Kafka. A Metamorfose, portanto, pode ser vista como a autoimolação de um jovem filho e de seu sacrifício em prol da família, ou melhor dizendo, de uma causa que vai além disso – é o caminho angustiante de um personagem num mundo por demasiado excludente e alienante para alcançar a dimensão do grande escritor Franz Kafka...

quarta-feira, 21 de março de 2012

Metamorfose(s) em texto e imagem: Ovídio, Franz Kafka e Peter Kuper

Aproveitando o gancho deixado pela indicação de leitura deste mês, proponho ao leitor um passeio por diferentes visões de um mesmo tema: a metamorfose. Aos interessados por literatura (principalmente a conhecida como clássica), o título da obra kafkiana, cuja leitura foi indicada pela Revista Encontro Literário, ecoa o de uma obra do poeta latino Ovídio - As metamorfoses.


Antes de prosseguir, um parênteses. Vamos ver o que nos diz o dicionário¹ sobre o tema? Trata-se de um substantivo feminino que indica basicamente duas coisas: as "mudanças de forma a que estão sujeitos principalmente os insetos e os batráquios", numa definição de cunho mais voltado à biologia, ou, em sentido figurado, as transformações e mudanças.

Visto deste ângulo, o título de ambas as obras é adequado ao seu conteúdo. Mas, apesar do eco apontado mais acima, entendemos que a semelhança entre a produção de Ovídio e a de Kafka para no título, visto que o tema da mudança de forma dos seres é retratado de distintas maneiras nesses textos.

Ovídio pede aos deuses que favoreçam seu intuito de contar, em um poema épico, como os seres assumiram novas formas, desde a criação do mundo (originado do Caos) até o império de Augusto: 


"É meu intento contar como os seres assumiram novas formas. Ó deuses - eis que fostes vós que os mudastes - favorecei o meu intuito, e conduzi, ininterruptamente, o meu poema, desde a origem do mundo até o meu tempo." (Ovídio, 1983, p. 11)

Podemos ver que se trata de um discurso mitológico. Ovídio escreve num momento em que já não se acredita tão piamente nos deuses que hoje estudamos como entidades mitológicas. Mas, dentro de seu objetivo de ajudar no movimento de afirmação do Império Romano, ele recorre aos mitos, colocando-os a serviço dessa afirmação. O que é importante é que percebamos que as mudanças dos seres são justificadas pelo caráter mitológico da obra. Além disso, como foram os deuses quem promoveram tais transformações,  elas podem ser entendidas tanto como punições (veja-se o mito de Níobe, quem teve seus filhos assassinados por Apolo e Diana em vingança à sua presunção de, sendo uma mortal, ousar dizer-se superior à deusa Latona)² quanto como recompensas (veja-se o mito de Miscelo, personagem que salvou-se de uma execução após a intervenção de Hércules haver mudado a cor das pedras que dariam a sentença)³. Dizendo de outro modo, podemos afirmar que, além de uma justificação, as metamorfoses respondem, na obra ovidiana, a uma finalidade educativa, consoante com a ideia de uma arte que pudesse a um só tempo deleitar e ensinar. É interessante notar, ainda, que o caráter dessas metamorfoses faz com que elas normalmente compareçam ao final das narrativas que constituem a obra, como um arremate ou acerto de contas.

Franz Kafka, por outro lado, está lidando com um discurso diferente do que viemos tratando até aqui. Na sua obra comparece o discurso alegórico. Não estamos mais no domínio do mito e tudo o que lemos deixa de se identificar com aquilo que imaginamos à primeira vista. Aqui, a metamorfose perde sua função exemplificadora e ganha um status diferenciado, simbólico. Por este motivo, na obra do autor tcheco a transformação do personagem se dá logo no início do relato e de maneira bastante abrupta. O leitor é colocado diante do fato sem nenhum tipo de preparação ou justificativa prévia, visto a situação ser apresentada já no primeiro parágrafo da novela:


"Certa manhã, após um sono conturbado, Gregor Samsa acordou e viu-se em sua cama transformado num inseto monstruoso. Deitado de costas sobre a própria carapaça, ergueu a cabeça e enxergou seu ventre escurecido, acentuadamente curvo, com profundas saliências onduladas, sobre o qual a colcha deslizava, prestes a cair. Suas inumeráveis pernas, terrivelmente finas se comparadas ao volume do corpo, agitavam-se pateticamente diante de seus olhos." (Kafka, 2010, p. 11) 


É um parágrafo que introduz o leitor no texto com um choque. Apesar disso, pode-se ler sem maiores sobressaltos, situação que tende a nos levar à aceitação, com relativa naturalidade, do absurdo da situação criada pela transformação sofrida pelo protagonista. Ao contrário do que se vê no texto clássico, a metamorfose aqui ocorre como o ponto de partida (e não de chegada) em relação ao qual todos os outros fatos se desdobram. Ela tem um papel central e, no entanto, não precisa ser explicada. Seu significado maior transcende a simples explicação ou mesmo a possibilidade de que tal coisa pudesse ter acontecido realmente.

O caráter alegórico do texto kafkiano nos permite associar Gregor Samsa com vários seres "reais" que se encontram numa posição que desestabiliza o modelo da vida burguesa. Tanto faz que seja um inseto monstruoso, um ente familiar portador de alguma deficiência ou um desempregado. De igual modo, as reações da família do protagonista apontam para o desmascaramento das bases em que se apóia essa mesma vida burguesa. A própria noção de família se vai desfazendo ao longo do texto, com claro menosprezo dos pais e da irmã pelo personagem transformado em inseto e que, a partir de certo ponto, começa a importuná-los mais que ajudá-los na obtenção de sustento, bens e "realização" em termos sociais.


Para terminar, falaremos de mais uma metamorfose. Esta é, contudo, um pouco diferente. Não vamos apontar mais para mudanças sofridas por personagens, mas para uma mudança de registro artístico do tema. Focalizaremos brevemente a adaptação que foi feita desta novela kafkiana pelo artista gráfico Peter Kuper. Este transpôs para quadrinhos a história de Gregor Samsa, acrescentando ao texto (disposto não mais em parágrafos, mas em balões e outras representações afins) imagens que apontam novas possibilidades de interpretação para a obra. 


Chamamos a atenção para essas "novas possibilidades" por entender que a linguagem imagética oferece outro tipo provocações aos sentidos, ampliando a gama de significados que podemos construir a partir de um texto, coisa que nem sempre conseguimos fazer pela dificuldade de visualizar mentalmente o que está sendo narrado. Com certeza vale a pena conferir todos os trabalhos que comentamos brevemente nesta coluna., até mesmo para que cada um possa construir sua imagem das metamorfoses e, quem sabe, transformar a si mesmo através da leitura. 


Para quem maneja bem o inglês, fica a dica do site da editora Random House, responsável pela publicação original da obra de Kuper: http://www.randomhouse.com/crown/metamorphosis/


Notas:


1. Cf. definição do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, disponível em http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=metamorfose. Acesso em 21/03/2012

2. O mito de Níobe aparece no livro VI, d'As Metamorfoses, de Ovídio, referenciadas ao final deste trabalho.

3. O mito de Miscelo aparece no livro XV, d'As Metamorfoses, de Ovídio, referenciadas ao final deste trabalho.

Bibliografia: 

KAFKA, Franz. A metamorfose. Tradução de Lourival Holt Albuquerque. São Paulo: Abril, 2010

OVÍDIO. As Metamorfoses. Tradução e notas de David Jardim Júnior. Rio de Janeiro: Ediouro, 1983

Pós-escrito:




Não resisti à tentação de colocar uma pequena amostra do trabalho de Peter Kuper aqui neste post. Ao lado está uma das muitas imagens felizes (no sentido de serem absurdamente bem realizadas) da adaptação. É uma imagem que conseguiu captar o nível de opressão da vida moderna, tão grande que o sonho de um homem como Gregor Samsa é poder exercer essa opressão contra o seu chefe.

sábado, 17 de março de 2012

Coleção O Prazer da Leitura (Editora Abril)

Moby Dick é o primeiro título da coleção O Prazer da Leitura

A coleção O Prazer da Leitura reúne uma seleção das melhores obras da literatura mundial. São 21 títulos clássicos, dentre eles alguns bastante populares, como Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, 20.000 léguas submarinas, de Júlio Verne, e Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas. São histórias emocionantes que há séculos encantam gerações e prendem a atenção do leitor da primeira à última página.
Um bom exemplo é o título que abre a série - Moby Dick, de Herman Melville – que foi de influência marcante na vida de Steve Jobs, o gênio que mudou a maneira como nos relacionamos com a leitura e a música no século 21. Afinal, o objetivo da coleção O Prazer da Leitura é destacar a importância da literatura e, mais do que isso, despertar e cultivar o prazer de ler.
Os textos da coleção foram traduzidos das obras originais, alguns mantidos na íntegra, como Canção de Natal, de Charles Dickens. A maior parte, porém, foi condensada, editada e adaptada para atrair a atenção dos leitores de hoje. Para tornar as histórias ainda mais cativantes, cada volume foi ilustrado por um artista especialmente escolhido para realçar detalhes importantes para a compreensão da narrativa.
Além disso, cada título da coleção traz a biografia do autor e uma contextualização da época em que ele viveu. Isso contribui para o entendimento da importância de que cada obra adquiriu ao longo dos últimos séculos. Ao final do livro, o leitor encontra ainda um Apêndice, composto por quatro seções, das quais se destacam Conhecer Mais e Glossário, com detalhes que ampliarão seus conhecimentos sobre os temas abordados em cada obra.
O lançamento, nos estados de São Paulo e Rio, será no dia 02 de março, com dois livros pelo preço de um: R$ 14,90. São eles Moby Dick, de Herman Melville, e o guia O Prazer da Leitura, que traz uma pequena degustação de cada um dos outros 20 títulos que compõem a série, além do primeiro capítulo da seção Conhecer Mais: O nascimento e o desenvolvimento da escrita e da literatura.
Nos demais estados o lançamento será no dia 03 de agosto.
Títulos que compõem a coleção O Prazer da Leitura
1 - Moby Dick
2 - Ben-Hur
3 - Dom Quixote
4 - Os três mosqueteiros
5 - 20.000 léguas submarinas
6 - Lad, um puro sangue de corpo e alma
7 - O retrato de Dorian Gray
8 - Viagens de Gulliver
9 - A letra escarlate
10 - Beleza negra
11 - Oliver Twist
12 - Robin Hood
13 - O chamado da selva
14 - O Conde de Monte Cristo
15 - Tess
16 - Canção de Natal
17 - A Ilha do tesouro
18 - Ivanhoé
19 - As aventuras de Tom Sawyer
20 - O último dos moicanos
21 - Robinson Crusoé
22 - O prazer da leitura (grátis com o volume 1)

sexta-feira, 2 de março de 2012

A Metamorfose, de Franz Kafka: um convite para quebrar o mar gelado que existe dentro de nós

A Metamorfose, de Franz Kafka: um convite para quebrar o mar gelado que existe dentro de nós



Raphael de Oliveira Reis[1]

Há muito tempo que eu queria comentar sobre a obra A Metamorfose, de Franz Kafka, na nossa coluna Dica de Leitura, pois dentre os seus escritos é a obra que eu mais gosto, além de estar entre os cinco livros de minha preferência: 1-Don Quijote de la Mancha; 2- Crime e Castigo; 3- Os Irmãos Karamazov; 4- A Metamorfose; e 5- Dom Casmurro. Ainda, há uma identificação da angústia vivenciada pela personagem principal (Gregor Samsa) frente as situações que lhe aparece, principalmente com a figura do pai.

A Metamorfose é uma das mais pertubadoras narrativas da História da Literatura, a qual faz com que se quebre o mar gelado que existe dentro de nós, e isto, em simplesmente 80 páginas!

Foi escrita em 1912, mas sua publicação aconteceu em 1918. De lá pra cá, despertou interesse dos mais eminentes críticos e autores, tais como: Albert Camus, Deleuze, Guattari, Sartre, Adorno, Borges, etc, que apontam e tentam discurtir sua complexidade.

É comum na estrutura narrativa de Kafka (ver também o livro O Processo), um começo impactante, do clímax, como se a personagem principal tivesse projetado de um longo pesadelo. No caso de A Metamorfose, Gregor Samsa acorda e precebe-se que se transformou em algo diferente, após sonhos intranquilos. E esse algo diferente, nada mais do que uma transformação em um inseto, especificamente em uma barata. No entanto, essa metamorfose se dá de forma natural, num ambiente sem interferência sobrenatural, uma transformação rápida e sem causa exterior – só o incomoda por não poder cumprir com sua rotina de trabalho.



Segundo Merçon (2006, 13)

a novela de Franz Kafka inaugura, cada uma a partir de sua perspectiva particular, duas questões incomuns de ordem antropocultural, moral e até mesmo existencial no seio do ambiente familiar. Do ponto de vista do indivíduo, a questão é: I) como lidar com a inusitada situação de se ver repentinamente metamorfoseado num ‘inseto monstruoso’? do ponto de vista  de vista da coletividade que rodeia esse indivíduo, a questão se resume em: II) lidar com a presença inesperada e inevitável desse estranho ser no espaço íntimo do lar?



Em resumo, o problema central não é a transformação do filho (Gregor), e sim como lidar com algo (fisicamente) diferente e repugnante, embora com “essência” do humano e respectiva ligação familiar, e se virar financeiramente, já que quem era o provedor da família está impedido de trabalhar - já não pode mais sustentar os demais membros (pai, mãe e a irmã).

Gregor era caixeiro-viajante, vendedor de tecidos, único provedor da família, visto que os empreendimentos comerciais do pai não lograram êxito. Devido as exigências de sua profissão acordava cedo (5 horas da manhã), para enfrentar longas viagens de trem, levando-o a um distanciamento de outras práticas do cotidiano (como, por exemplo, lazer, religiosidade, amizades, etc), dedicando-se exclusivamente ao trabalho e ao esforço de que todos pudessem esquecer a desgraça que a família fora cometida, com a falência comercial do pai.

Dedicado à família e ao trabalho, Gregor se torna em um sujeito que deve executar aquilo que lhe é previsto, imposto, invés daquilo que realmente deseja (aquí fica a crítica ao sistema capitalista, o qual padroniza comportamentos e rotiniza o ser humano, o confundido com o objeto, ou melhor, com o objeto da produção).

Os seus familiares (pai, mãe e irmã) ficam passivos perante essa situação, esperando tudo de Gregor, porém após a metamorfose cada um terá que se virar, e de fato se viram, suas “limitações” se rompem.

Com a metamorfose (um desejo inconsciente de Gregor?) a normalidade é quebrada, isto é, fica impedido de cumprir suas tarefas no trabalho e de provedor da família, como já dissemos anteriormente. Assim será cobrado duramente pela família e pelo chefe. Sua transformação em um inseto é uma metáfora que mostra uma quebra com o mundo burocrático e de exploração do trabalho – o inseto não poderia fazer as tarefas mais simples do cotidiano como se levantar da cama.

Com essa situação supracitada, há um repúdio da  família a Gregor, fazendo com que ele se afastasse em seu quarto, totalmente isolado de tudo e de todos, com contato restrito. Mesmo que sua vontade e pensamento fosse de humano, sua comunicação e físico lhe impedia de interagir com os demais membros, fazendo, inclusive, ser rechaçado e até ser agradido, como foi o caso do pai que lhe atirou um pedaço de maça em suas costas, quando de sua tentativa de sair do quarto para a sala, fato este estremamente angustiante e que marcará Gregor até o seu fim.

Outra cena marcante e que define a essência da obra é quando sua irmã Grete diz ao pai:

[…] É o único jeito, pai. O senhor precisa se desfazer da ideia de que aquilo é Gregor. Acreditar nisso, durante muito tempo, tem sido a nossa desgraça. Como pode ser Gregor? Se fosse, há muito teria percebido que seres humanos não podem viver com um bicho como aquele. E teria partido por conta própria. Perderíamos o irmão, mas poderíamos continuar vivendo com o verdadeiro Gregor em nossa memória, para sempre. (Kafka, 2010, 70-71).



E o final dessa narrativa?... Fica o convite ao leitor para quebrar o mar gelado que existe dentro de nós…



Obs.: Kafka quando terminou de escrever esse livro, como de costume, leu o 1º capítulo para alguns amigos, mas a leitura foi recebida com risos…



Sobre Franz Kafka





Nasceu em 3 de julho de 1883, em Praga, República Tcheca, cidade esta que contempla uma vasta e linda arquitetura medieval, e “sombria” por sinal (alguma influência em seus escritos?)

Teve dois irmãos que morreram antes de seu nascimento e 3 irmãs que morreram em campo de concentração, em 1940.

Um dos traços biográficos de Kafka é sua relação tensa com o pai, Herman Kafka, pois se via fracassado diante as espectativas paternas, além de outros traumas de infância como, por exemplo, quando pede ao pai um copo de àgua à noite e o mesmo lhe fecha numa varanda escura.

A pesar da regra básica de que não se deve fazer uma relação direta entre obra literária e dados biográficos, podemos apontar que a construção da A Metamorfose, em alguns elementos, foram retirados das suas experiências pessoais do cotidiano com a figura do pai. No seu livro de memória, Carta ao Pai, Kafka diz que: “eu era para ele um nada dessa espécie”.

Queria fazer filosofia, mas seu pai não deixou porque não dava retorno financeiro. Fez química (lembrando que a Alemanha se tornou a principal potência nesta área – Kafka viveu boa parte de sua vida na Alemanha e suas obras foram escritas em alemão), no entanto abandonou e foi fazer direito, formando-se em 1906 (aproveitou para cursar aulas de literatura, as quais eram sua paixão). Sobre isso diz certa vez: “tudo que não é literatura me aborrece”.

Sua vida amorosa também foi atribulada. Ficou noivo de Felice Bauer 2 vezes em menos de 5 anos, e teve outros relacionamentos malsucedidos.

Sua saúde era muito debilitada, contraiu turbeculose, a qual fez com que fosse internado em vários sanatórios para tratamento. Morreu jovem, aos 40 anos, em 1924.

Uma curiosidade é que suas obras quase ficaram no esquecimento e até mesmo correram o risco de serem destruídas, se não fosse o seu amigo Max Brod. Kafka teria lhe solicitado que queimasse todos os seus escritos, com exceção de O Veredicto, A Metamorfose, Na Colônia Penal, Um Médico da Província e o conto Um Artista de Fome. Contudo, Max Brod não o obedeceu e fez uma grande empreitada para publicar as demais obras (entre elas O Processo e O castelo).

Seu estilo, segundo o crítico literário Edgar carone, “é marcadamente seco, cartorial, com descrição pormenorizadas e tratando de eventos inesperados, quando não impossíveis”, como vimos na nossa dica de leitura acima.

 Referências:



KAFKA, Franz. A Metamorfose. São Paulo: Ed. Abril, 2010.

MERÇON, Francisco Elias Simão. Uma Leitura Analística da Novela “A Metamorfose”, de Franz Kafka. Dissertação apresentada ao Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo, 2006.



[1] É Mestrando em Educação (PPGE-UFJF), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Social (UFJF) e Graduado em História (UFJF). Atualmente, trabalha como Professor de Suporte Acadêmico no Caed-UFJF, Assessor Político e ministra cursos de formação do leitor e formação política.