sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Breves reflexões sobre Literatura e Sociedade

Uma teoria literária, qualquer que seja sua perspectiva crítica, não se resume apenas a um apanhado de conceitos, pelo contrário, sua crítica se processa em consonância com a influência exercida por determinado contexto histórico e cultural. É nesse sentido que a leitura de um pensador sempre deve ser analisada em diálogo com a época e formação de quem a expõe. Por isso, é possível observarmos que às vezes temos a impressão de estar diante de uma verdadeira "dança" teórica, ou seja, temos uma impressão que parece ser em dado momento a mais pertinente para compreender uma obra, sendo que em outro momento, ou até simultaneamente, surgem leituras que parecem contrapor-se entre si. Isto se deve ao fato de que, embora um texto literário seja produzido em relação a um contexto, os discursos sobre determinado texto, vale lembrar, não são estanques entre si e podem ser retomados e reformulados ao longo de uma mesma época, identificando-se, assim, a própria complexidade em que se apresenta a leitura da obra de arte em geral. Além disso, toda a perspectiva crítica (ao menos a boa crítica) deve estar investida, na essência, de um teor opositivo e até mesmo de um caráter "subversivo", considerando-se o seu papel diante do excesso de banalidades que muitas vezes são cometidas em relação à literatura. Portanto, toda relação entre literatura e sociedade, como também entre literatura e crítica, deve levar ao debate produtivo e alertar para o fato de que, em cada época, a ciência da literatura (teoria) pode constituir um dos parâmetros conceituais para as demais disciplinas das ciências humanas. Se hoje a ciência da literatura se expandiu para outras áreas do saber, é porque a sua força reflexiva consiste em um poder transformador de nunca estar fora de moda e nem ser ultrapassada. Afinal, os conceitos desenvolvidos na leitura de um texto e da sociedade que o produziu se inscrevem tanto numa ordem histórica quanto na sua superação. Nesse sentido é que, em meio a diversas perspectivas teóricas, a boa literatura em si será sempre um demônio que nunca deve parar de perturbar as verdades estabelecidas, bem como o conforto das ideias acomodadas num lugar tantas vezes para lá do senso comum...

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto: uma homenagem




Para evocar o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto e o 67.º Aniversário da Libertação de Auschwitz (27 de janeiro de 1945), disponibilizo o conto Memórias de Auschwitz, de minha autoria, o qual faz parte da obra "Contos que Machado de Assis e Jorge Luis Borges Elogiaram".

Conto: Memórias de Auschwitz, de Raphael de Oliveira Reis

Ao levantar pela manhã, inquieto, fez reflexões sobre a consciência divina. Pensava que poderia ser acessada, embora não soubesse como. Aquilo lhe consumia grande tempo e energia.
Penso que se fosse possível seria algo extraordinário, pois ela é a única a organizar na memória passado, presente e futuro. Ou seja, sabe exatamente o que aconteceu, o que acontece e o que vai acontecer.
Deste fato perturbador, o homem concluiu algumas premissas que não levam absolutamente a nada, mas tenho que colocar por escrito para ser fiel ao pensamento dele. São elas: 1º) se Deus já sabe o que vai acontecer no futuro, os homens não possuem liberdade, livre arbítrio; 2º) se Deus não sabe o que vai acontecer no futuro, então ele não está no tempo e muito menos é onipresente; 3º) se o futuro lhe é reservado, todavia não pode intervir no que já aconteceu, mesmo que isso não tenha ainda se concretizado na temporalidade do presente; 4º) porque deixar os seres humanos fazer tantas coisas catastróficas, mesmo já sabendo que eles farão? Talvez porque já conheça a natureza do homem, imperfeita; 5º) mas se a natureza do homem foi Deus quem criou, seria Deus imperfeito?
Caro leitor, paro por aqui porque tais reflexões são premissas sofistas que não permitem conclusões e pouco me agradam. Deixo as reflexões deste homem, assim como meus pensamentos a respeito para outra hora e ocasião.
O que é oportuno dizer é que após abandonar as reflexões deste homem inquieto, fui até o seboQuarup, na Rua Padre Café, comprar um livro qualquer para leitura de férias. De férias, porque nesta ocasião a leitura é diferente; é feita por divertimento, lazer, sem obrigação.
Ao chegar ao dito sebo, o vendedor, infelizmente, me reconheceu tinha acabado de publicar um livro de Contos intitulado Contos de um Palimpsesto. Digo infelizmente pelo fato dele querer conversar sobre vários autores, como se eu os conhecesse profundamente. Resultado: saí do sebo com o volume I d' As Mil e Uma Noites.
Mas não é este o fato mais interessante. A compra me custou meros R$ 5,00; uma leitura deliciosa e um documento raríssimo- que estava perdido em uma das folhas – nem imagino como foi parar ali. Era uma carta manuscrita, em alemão, de um dos sobreviventes do Campo de Concentração polonês, Auschwitz, contando a história de dois irmãos judeus naquele campo.
Devido ao fato de somente eu ter este manuscrito, e não vendê-lo por nada deste mundo, – às vezes penso doar para algum museu. No entanto, enquanto ainda não faço isso, revelo algumas informações.

* * *
Em 1943, a família de tradição judaica foi levada em nome da superioridade da raça ariana, do preconceito, pela culpabilidade do desastre da 1º Guerra Mundial, ao Campo de Concentração de Auschwitz (Polônia), após uma tentativa de fuga na fronteira com a Hungria. Foram levados pelas tropas nazistas até Auschwitz I. A viagem foi cansativa, não menos cansativo o que estaria por vir. Ao chegarem à entrada, o portão principal continha o seguinte inscrito:Arbeit macht frei ,ou seja, o Trabalho Liberta – somente as pessoas que passaram por ali sabem o real significado dessa frase.
A Família de quatro pessoas: os pais Aron Veil e Anne Veil e os filhos Schumel Veil, 12 anos e Muller Veil, 14 anos, foram identificados: cada um com seu número, uniforme listrado e cabeças
raspadas. Os pais, além de serem judeus, eram intelectuais que trabalhavam na Universidade de Berlim e eram contrários ao regime Nazista.
A família foi separada. Os filhos foram levados ao campo de Auschwitz II, conhecido como Birkernau, ficando juntos aos outros garotos, judeus e ciganos. O pai Aron Veil foi levado ao bloco 11 de Auschwitz I, o qual era destinado às experimentações e sua esposa, ao bloco 24 de Auschwitz I, onde eram selecionadas as presas mais bonitas e saudáveis para satisfazer os impulsos sexuais dos soldados. Sabendo disso, o esposo, não aguentando a separação dos filhos e o destino da mulher, na primeira oportunidade se jogou ao encontro dos arames eletrificados. A respeito de Anne, a carta não fala mais nada, só o fato de que fora levada ao referido bloco.
Quanto aos meninos, além da separação, do medo constante, os adolescentes, em sua inocência, sentiram o rigoroso frio do inverno alemão. Assustados, nunca olhavam para cima, daí só visualizarem a neve, a cerca e as botas dos soldados. Entre gritos e empurrões foram levados a uma das construções de Birkernau, uma espécie de dormitório.



Os dormitórios eram barracas feitas de madeira préfabricada. Dentro de cada barraca havia os beliches de madeira. O espaço destes era apenas o suficiente para ser ocupado por um único corpo que encontrava dificuldades para mover-se devido aos companheiros do lado.
Ao chegar a noite, os meninos trataram de arrumar um espaço para deitar. Amedrontados, nem olharam para os outros garotos. Muller, o mais velho, abraçava o irmão mais novo numa tentativa de passar segurança.
As luzes se apagaram, veio o silêncio, Schumel chorava. Muller, tentando confortar o irmão e a si mesmo, passou a lhe contar uma história, com o intuito de que o irmão dormisse. Contou certa história de um príncipe e uma raposa, obra lançada e lida por Muller meses antes de ser levado ao campo de
concentração.
Tal narração era tão envolvente que outros meninos pediram para que ele a contasse mais alto. Resultado: passaram a noite escutando a narrativa de O Pequeno Príncipe, e a partir daquele momento, foram cativados.
Pela manhã, os soldados levaram a ração. Os garotos comiam com as mãos as rações deixadas nos pratos com tamanha rapidez que dava a impressão de serem cães famintos. Depois foram levados para o campo de trabalho pelo comboio de soldados. A tarefa de Schumel e Muller era esperar outros dois colegas preencherem o carrinho de mão com areia, e depois empurrá-lo até outro ponto onde era descarregado.
Ao final do dia, já cansados pelo exaustivo trabalho, sentaram no chão. Imediatamente foram repreendidos pelos gritos e tapas dos soldados nazistas. Levantaram rapidamente e começaram de novo o repetitivo trabalho. Entenderam, então, o porquê de todos os garotos serem muito magros e comerem alvoroçadamente.
A noite chegou e como recompensa para o lazer que não tinham, os garotos pediram a Muller mais uma história que Schumel consentiu com um leve sorriso. Müller disse aos garotos:
– Vocês vão ter a melhor história do mundo, a do Cavalheiro Dom Quixote de la Mancha. Como a história era grande demais, Muller a adaptou. Levou mais cinco noites para terminá-la. Ao fim, todos o aplaudiram. O barulho foi tão grande que os soldados entraram na barraca para saber o que estava acontecendo. Ao abrirem a porta de madeira, o ruído desta alertou os meninos que imediatamente voltaram para os seus respectivos lugares.
O gosto pela história foi tanto que levou um garoto chamado Ian, de 15 anos, a pensar que era Dom Quixote. Pela manhã, Ian disse aos garotos que todos eles estavam encantados pelos soldados, por isso, estavam com as cabeças raspadas, roupas listradas e com números.
Na hora do almoço, Ian tomou em suas mãos uma pedra e, de um lugar que ninguém o via, a atirou na cabeça de um dos soldados. O sangue escorria pela cabeça do soldado, que enraivecido, procurava quem tinha feito aquilo. Como não conseguiu identificar o dono da travessura, pegou um garoto de nome Frank e lhe deu alguns socos para servir de exemplo. Ian ficou desesperado. Chorando, chegou perto de Frank e lhe pediu desculpas.
– Desculpas por quê? Foram os melhores socos que já tomei. Não me reconhece, sou o bom escudeiro Sancho Pança.
Todos sorriram. Na sétima noite, Muller, a pedido de Schumel, contou a história de Aladim. A lua clareava um pouco a choça e, com isso, podiam ver os rostos uns dos outros.
Terminada a história, Muller inovou:
– Essa pedrinha que vocês estão vendo em minhas mãos está dotada de poderes mágicos. Quem quer experimentar e realizar o primeiro desejo?
– Eu, disse Frank.
– E o que você quer, garoto Frank?
– Quero brincar de amarelinha.
– Pois bem, garoto Frank. Seu desejo é uma ordem.
Então, Muller riscou com a pedra o chão e desenhou uma amarelinha - todos se divertiram por alguns instantes.
– Eu quero ser o próximo, disse Hosberg.
Esfregou as mãos na pequena pedra e disse:
– Quero que todos sejam meus amigos para sempre.
Todos aplaudiram e consentiram num grande sim.
– Por último, quero que meu irmão Schumel faça o pedido, disse Muller. Schumel, cabisbaixo, mas esperançoso, tomou a pedra do irmão; duas lágrimas escorreram de seus olhos.
– Quero ver papai e mamãe.
O silêncio penetrou em todos. Muller e Schumel se abraçaram, caíram de joelho no chão e, abraçados, choraram longamente. Todos os outros garotos se abraçaram; caíram várias lágrimas silenciosas.
Sem mais nenhuma palavra, foram dormir.
Naquela madrugada entraram quatros soldados armados. Ascenderam as luzes e mandaram todos se levantarem – no que de pronto foram atendidos. Esvaziaram aquela choça, deixando somente 10 garotos, os mais fortes fisicamente.
Após entrarem na fila, levados pelo medo e pela sensação do que iria acontecer, Schumel deu a mão direita ao irmão, apertando-a. Antes de entrar no recinto que os soldados indicavam com as mãos, foram obrigados a se despirem. Em seguida, entraram todos por uma porta de aço. Todos os garotos olharam para os dois irmãos de mãos dadas. Encaravam Muller, na expectativa de algo.
– Não se preocupem amigos. Lembra-se de Dom Quixote? Esta é só mais uma aventura.
Os garotos se abraçaram em uma grande roda. Do teto, veio o gás Zyklon B. Do crematório, a fumaça. Da barraca ondese encontravam os 10 garotos remanescentes, a tristeza.



* * *

O autor deste relato é Frank, um dos 10 garotos selecionados naquele dia para continuar a viver, ou melhor, a trabalhar no campo. Além disso, foi o escolhido pelos soldados para conduzir os amigos até a câmara de gás. Viu tudo pela pequena vidraça da porta de aço. Após muito tempo, decidiu escrever o conteúdo que vos relatei – a carta está datada no ano de 1952. Enviou a carta a um tio que estava refugiado no Brasil.
As notícias que se tem sobre Frank é que ele ficou no campo por mais dois anos, quando finalmente acabou oencantamento, no final de janeiro de 1945. A última notícia que obtive sobre Frank foi através de uma pesquisa em jornais alemães em que ele estava presente, com seus 21 anos, na execução do comandante nazista Rudolf Hoss, em 1947, em frente ao forno crematório de Auschwitz I.
Para Rafael Laguardia
17/01/2010

Este conto faz parte da obra "Contos que Machado de Assis e Jorge Luís Borges Elogiaram", de Raphael de Oliveira Reis.

Aos interessados em adquirí-la:

Pontos de Venda em Juiz de Fora:

Livraria 3ª Margem
Livraria Vozes
Livraria Liberdade
Planet Music

Pontos de Venda (nacional e internacional):

www.livrariacultura.com.br
www.livrariaasabeca.com.br
raphaeloliveirareis@yahoo.com.br

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Prêmio Agente Jovem de Cultura

MinC recebe inscrições para concurso, voltado para jovens, até 31 de janeiro de 2012

O Ministério da Cultura publicou nesta quarta-feira, 14, no Diário Oficial da União (DOU), o edital Prêmio Agente Jovem de Cultura: Diálogos e Ações Interculturais. Por meio da Secretaria de Cidadania Cultural, o MinC vai premiar 500 iniciativas de jovens entre 15 e 29 anos. As inscrições para a premiação estarão abertas de 15 de dezembro de 2011 a 31 de janeiro de 2012.
O edital é uma parceria entre o MinC – que investirá R$ 2,9 milhões – e os ministérios da Saúde (R$ 1 milhão) e do Desenvolvimento Agrário (R$ 600 mil), além da Secretaria-Geral da Presidência da República/Secretaria Nacional de Juventude (R$ 500 mil).
Podem concorrer ao prêmio iniciativas existentes e já concluídas nas áreas de comunicação, tecnologia, pesquisa, formação cultural, produção artística, intercâmbio e sustentabilidade. Cada selecionado irá receber premiação no valor de R$ 9 mil. Os premiados poderão se inscrever de acordo com a faixa etária: serão 200 bolsas para jovens entre 25 e 29 anos, número igual para aqueles que têm entre 18 e 24 anos e outras 100 para os jovens de 15 a 17 anos. As inscrições poderão ser feitas pela internet, por meio do SalicWeb, ou pelos Correios. O MinC lembra aos interessados que as inscrições online só serão efetivadas depois que o inscrito clicar no botão “Enviar”.
O edital terá duas fases: habilitação das propostas (análise documental eliminatória) e seleção (eliminatória e classificatória). Os projetos serão avaliados a partir dos seguintes critérios: criatividade, inovação e boas práticas; impacto social da iniciativa; comprovação da qualidade e efetividade das estratégias de comunicação e de estratégias que promovam o empoderamento para o autocuidado; sustentabilidade valorização da cidadania e da diversidade cultural brasileira.
Para a secretária de Cidadania Cultural do MinC, Márcia Rollemberg, é importante identificar e valorizar o que vem sendo feito por jovens que trabalham com a cultura no Brasil. “Esse prêmio é o primeiro passo de um processo de ação mais ampla e permanente, que vai envolver trabalhos de fortalecimento da formação do agente jovem de cultura, incluindo bolsas de formação, com uma parceria, também, do Ministério da Educação (MEC)”, diz a secretária.
Clique aqui e acesse todas as informações sobre o edital.

Leia mais:
MinC anuncia edital para a participação de jovens que produzem cultura no país
(Fonte: Ascom/MinC)

Sobre estilo e estilistas: quando a Literatura nos ajuda a pensar a indústria da moda

Manoel Messias da Fonseca
Ailton Magela de Assis Augusto [1]



[2]
Se buscarmos a origem etimológica da palavra estilo, veremos que a mesma vem do grego stylus: pequena haste de osso, metal, etc., com uma extremidade pontiaguda e a outra espatulada, que era usada pelos antigos para escrever sobre a camada de cera das tábulas.

Esse processo de escrita nos permite dizer que o stylus depende da tábula e vice-versa, ou seja, para que haja stylus é necessário que haja a tábula – eles existem em uma relação de dependência direta. Desta forma podemos dizer que estilo é aquilo que marca, mas que para se eternizar precisa de um suporte, precisa do outro. Talvez seja em função desta dicotomia que Buffon e Lacan tenham adotado definições diferentes para o mesmo (?) “objeto”: para Buffon “o estilo é o próprio homem” e para Lacan “o estilo é o outro”. Enquanto aquele o definiu no século XVIII este o definiu no século XX. Filhos da mesma pátria... distantes no tempo... distantes no espaço... distantes no conceito. Eu e o outro.

Buffon era matemático, naturalista, escritor e tinha uma concepção mais “egocêntrica” na definição de estilo. Podemos dizer que ele está mais para o objeto que marca do que para o objeto que se deixa marcar. Sua concepção é singular, visto que o objeto que marca é somente um e os objetos que se deixam marcar podem ser vários. Lacan, por sua vez, era psicanalista e filósofo. Tinha uma concepção “ego excêntrica” em relação à definição do estilo. Sua concepção é plural. Podemos dizer que para Lacan o estilo situa-se no objeto marcado e não naquele que marca.


sábado, 7 de janeiro de 2012

A Dama do Cachorrinho: algumas considerações sobre a construção narrativa de Anton Pavlovitch Tchekhov

Mais um ano inicia-se, e como de costume, desejamos a todos um excelente 2012, com muita paz e cheio de coisas boas. E que seja um ano também no qual o amor pela sabedoria possa ser insaciável, mas uma sabedoria da prática do conhecimento, da vontade de compartilhar com o outro, de aprender. Ainda, desejamos também que haja um olhar mais carinhoso com as produções culturais (literatura, teatro, cinema, música, artes plásticas, etc) por parte daqueles que estão à frente das políticas públicas e da sociedade em geral – e é neste sentido que a Revista Encontro Literário contribui, fomentando a produção literária e o mais importante, o seu acesso gratuito, bem como a democratização de informações referentes à literatura, cultura em geral e acadêmica.
E para começarmos o ano com o “pé direito” nada melhor do que uma boa leitura, com um clássico do gênero conto. Portanto, a seção Dica de Leitura, do mês de janeiro, começa nada mais nada menos com o conto A Dama do Cachorrinho, do russo Anton Tchekhov.
É interessante notar que o século XIX (na Rússia) é um momento do brilhantismo da literatura universal, mesmo vivenciando um contexto de relações servis e do império tsarista, visto pelo Ocidente como atraso, visto que este já estava em sua 2ª Revolução Industrial e já havia passado pela ideias iluministas da Revolução Francesa e da Independência Norte Americana.
No contexto russo do século XIX tivemos escritores, tais como: Aleksandr Púchkin (1799-1837) a Mikhail Lérmontov (1814-1841), passando por Nikolai Gógol (1809-1852) e Ivan Turguêniev (1818-1883), até chegar a Fiódor Dostoiévski (1821-1881), Liev Tolstói (1828-1910) e Anton Tchekhov (1860-1904). Afirmo, mesmo correndo o risco, de que em nenhum outro contexto temporal ou espacial, tivemos tantos autores de extrema qualidade e importância para a literatura, reunidos num mesmo período e espaço.
E neste time de galácticos, Anton Tchekhov ficou consagrado como o mais ousado da tradição clássica e um precursor das formas e da linguagem contemporânea. Ficou conhecido como o mestre das narrativas curtas (na época era de costume os romances, e de grande tamanho, por exemplo, Guerra e Paz, de Tolstói e Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski), recriando em sua escrita o microcosmo literário que abrange o infinito e a imensidão do ser humano e do mundo.

Segundo Elena Vássina (2010):
ao mesmo tempo, Tchekhov é um grande renovador da arte dramática, criador de um novo paradigma estético do drama contemporâneo. Fora das obras de ficção, este autor russo deixou-nos uma valiosa herança dos escritos documentais: ensaios jornalísticos, cartas, diários e cadernos de anotações. Por isso, não é de estranhar que as obras completas do escritor, cujo credo literário era ‘a brevidade é irmã do talento’, incluem 30 volumes.

Dentre as peculiaridades de sua escrita, podemos destacar: ridicularização do que se considera normal, ou seja, daquele senso comum que rege a vida corriqueira; cortar cada palavra supérflua, cada frase escassa, para atingir um alto grau de condensação; e mergulhar na vida cotidiana, cheia de fatos miúdos para captar através deles o essencial e o eterno da existência humana. Assim, Tchekhov dizia que o seu objetivo era “matar dois pássaros com um tiro: descrever a vida de modo veraz e mostrar o quanto essa vida se desvia da norma. Norma desconhecida por mim, como é desconhecida por todos nós”.
Outro aspecto importante é que Anton Tchekhov não se achava pregador da verdade (talvez, por isso suas críticas a Tolstói e Fiódor Dostoiévski), pois nunca sugere soluções para os problemas tão difíceis da vida, logo suas obras não têm desfecho, pois terminam em reticências, como o fluxo natural da vida. Acreditava na liberdade da interpretação de texto, que seria um privilégio de cada leitor, participante ativo no ato da criação literária, chegando a dizer que “confio inteiramente no leitor, supondo que ele próprio vai acrescentar os elementos subjetivos que faltam ao conto”. E é exatamente este elemento que irá universalizar e imortalizar o seu mais conhecido e admirado conto, A Dama do Cachorrinho.

A Dama do Cachorrinho é um conto publicado primeiramente, em dezembro de 1899, na revista russa Russkaya Mysl (Pensamento Russo). Desde então, o conto vem sendo relançado em inúmeras coletâneas, tornando-se um dos trabalhos mais populares do autor.
Conta a história de Dmítri Dmítrich Gúrov, casado e com três filhos, entediado com a vida matrimonial e há algum tempo passara a trair sua esposa. Mantinha aventuras passageiras com suas amantes e, amargurado com suas fúteis experiências amorosas, passa a referir-se às mulheres com desprezo.
Dmítri morava em Moscou e estava em Ialta, já há duas semanas, para descansar. Lá comentavam sobre uma dama que aparecera à beira - mar e andava em companhia de um cachorrinho, como não sabiam seu nome a chamavam simplesmente de A dama do cachorrinho. Interessado, Dimitri à vê em diversos lugares a passear com seu lulu branco, até que certa noite ambos jantam no mesmo local e ele tenta aproximação, atraindo o cachorrinho.
Ana Sierguéievna, a dama do cachorrinho, era natural de Petersburgo e morava na cidade de S., com seu marido. Também sentia-se infeliz no casamento e como estava sozinha em Ialta, conversa com o estranho para diminuir sua solidão. Os dois passaram a se encontrar todos os dias e Dmítri sente-se muito atraído por aquela mulher, até que o marido manda uma carta a Ana, pedindo que ela retorne, pois ele está doente. Eles se despedem com a promessa de não mais se verem.
Dmítri retorna a Moscou e não consegue esquecer Ana. Mudado já não trata as mulheres com arrogância e percebe que está apaixonado. “Será que se apaixonara pela primeira vez na vida? Gúrov não o sabe, nem o próprio Tchekhov, e, portanto, tampouco nós o sabemos”. (BLOOM, 1997, 36)
Resolve então ir para a Cidade de S., para reencontrar Ana. Descobre onde ela mora, porém não à procura esperando um encontro casual. Vai à estreia de uma peça teatral e encontra Ana que, perturbada com a presença do amante, revela que também não o esquecera, mas pede que ele vá embora, temendo o flagrante do marido.
Ana promete ir a Moscou e cumpre com a palavra. Passa a viajar periodicamente para encontrar o amante. Amam-se com sentimento de culpa, mas se perdoam ao perceber que aquele amor os transformara. Juntos conversam sobre o desconforto do amor às escondidas, pensam começar uma vida nova, mas não sabem como recomeçar.
E assim termina o conto, numa de suas mais famosas reticências. Nos dizeres do crítico literário norte-americano, Harold Bloom (1997, 36),
E isso é tudo o que Tchekhov nos oferece; porém, o conto reverbera, durante muito tempo, depois dessa conclusão que nada conclui. Gurov e Ana Siergueievna, claro está, transformam-se ao longo do relato, mas a mudança não é, necessariamente, para melhor. Nada que um possa fazer pelo outro trará qualquer redenção; o que, então, resgata a história dos dois de uma rotina entediante? Até que ponto a história de Gurov e Ana difere de outras tantas malfadadas histórias de adultério?

Na perspectiva de Elaine Vássina (2010), o final deste conto é o final de um dos contos mais líricos e sutis de Tchekhov, pois ambos as personagens principais, casados e infelizes em seus casamentos, “tinham a impressão de que mais um pouco encontrariam a solução e, então, começariam uma vida nova e bela; todavia, em seguida, tornava-se evidente para ambos que o fim estava distante e que o mais difícil e complexo apenas se iniciava”. Dessa forma, fica o efeito buscado por Tchekhov, ao encerrar uma narrativa: a vida continua e a realidade é inesgotável.



Referências Bibliográficas:

Anton Tchekhov. A Dama do Cachorinho. Porto Alegre: LPM, 2009.

_____________. O Assassinato e outras Histórias. São Paulo. Abril, 2010, p. 231-244.

BLOOM, Harold. Como e por que ler. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

VÁSSINA, Elaine. Anton Pavlovitch Tchekhov. Revista Cult. Edição de nº 132, dezembro de 2010.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Revista Encontro Literário completa 1 ano de vida!

Hoje, 06 de janeiro de 2012, a Revista Encontro Literário completa 1 ano de vida!
Neste primeiro ano, temos muito que comemorar e agradecer aos nossos leitores e participantes, pois lançamos 2 editais para a seleção de produções literárias, tendo sido enviadas 59 para análise, inclusive uma da Polônia; publicamos contos e poesias de qualidade; divulgamos informações referentes à literatura, cultura em geral e acadêmica; padronizamos 3 seções permanentes: Dicas de Leitura (1ª semana), Literatura e outras Manifestações (2ª semana) e Teoria e Sociedade (3ª semana); recebemos visitas frequentes de vários países, tais como: Brasil (8386), EUA (441), Portugal (307), Alemanha (166), Romênia (160), Rússia (61), Polônia (27), Angola (15), Itália (14) e Reino Unido (10); temos uma média mensal de 812 acessos; e obtivemos, por fim, o registro do ISSN.
Em 2012, faremos de tudo para que nossa missão seja sempre concretizada com qualidade, no intento de fomentar a produção literária, incentivar o prazer da leitura e disponibilizar o conhecimento e o respectivo acesso de forma crítica e democrática.

Editores:

Aílton Augusto
Graduando em Letras pela UFJF

Paulo Tostes
Doutorando em Literatura pela UFF
Mestre em Literatura pela UFJF
Graduado em Letras pela UFJF

Raphael Reis
Mestrando em Educação pela UFJF
Especialista em Políticas Públicas
Graduado em História pela UFJF

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Amos Oz no centro do Roda Viva

Escritor israelense foi o convidado da primeira segunda-feira do ano. Na pauta, sua infância, o título de pacifista e o conflito árabe-israelense.

Durante a entrevista, Amos, que já disse que Israel é uma decepção, respondeu indagações ligadas às suas obras, à infância e adolescência e à experiência de ter se tornado um pacifista, e também sobre os conflitos árabe-israelenses.

Apresentado pelo jornalista Mario Sergio Conti, o Roda Viva contou, para esta edição, com uma bancada formada por Noemi Jaffe (escritora, professora de literatura brasileira da PUC/SP e crítica literária), Paulo Werneck (editor do caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo), Norma Couri (correspondente da revista portuguesa Visão), Monique Gardemberg (diretora e cineasta, que está adaptando o livro A Caixa Preta, de Amóz Oz, para o cinema). O Roda Viva também teve a participação do cartunista Paulo Caruso.

A entrevista será reprisada na quinta-feira (06/01/11), às 00:30 ou você pode também vê-la no site do Roda Viva: http://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/amos-oz-no-centro-do-roda-viva

"Os Miseráveis"

Aos aficcionados pela boa literatura, inclusive no seu diálogo com o cinema, vale a pena conferir a versão integral em minissérie d' Os Miseráveis (1862), de Victor Hugo (1802-1885). A obra-prima desse romancista narra a trajetória de Jean Valjean, um homem que foge da prisão e tenta reconstruir sua nova vida através de um trabalho digno, empregando os ganhos de sua nova fortuna em obras sociais que possam reabilitar os miseráveis que encontra. Porém, toda essa dedicação é interrompida quando um agente do Estado aparece arbitrariamente em seu caminho. Nesse sentido, Os Miseráveis traz claramente a filosofia humana, política e social de Victor Hugo, oferecendo ao leitor e cinéfilo tanto a opção de conferir as 1500 páginas, aproximadamente, do grande romance de Victor Hugo, quanto assistir à monumental minissérie européia (caixa com 2 DVDs). Com uma reconstituição de época impecável, essa superprodução tem no elenco os astros Gérard Depardieu, John Malkovich, Christian Clavier, Jeanne Moreau e Virginie Ledoyen. A minissérie pode ser conferida também através da Rede Bandeirantes de Televisão, a partir desta quarta-feira, 4 de janeiro, às 22:15.