A postagem referente à coluna História e Sociologia da Leitura deste mês (novembro), é uma resenha da obra do antropólogo Felipe Lindoso, cujo título é: O Brasil por ser um país de leitores? Política para a cultura política para o livro, editada pela Summus, em 2004.
Felipe
Lindoso é graduado em antropologia pela Universidad Nacional Mayor de San
Marcos, de Lima (Peru) e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Museu Nacional). É jornalista
e foi sócio-fundador e diretor da Editora Marco Zero, de 1980 a 1998. Foi
assessor da Câmara Brasileira do Livro (CBL), ocupando diferentes cargos, e
consultor do Cerlalc.
O
título do livro “O Brasil pode ser um
país de leitores?” revela por si só uma questão intrigante e uma
problemática atual.
A
obra de Felipe Lindoso está estruturada em 3 seções, a saber: Política da Cultura,
O Livro e a Política Cultural e Globalização e Cultura.
Na
primeira seção faz uma crítica inicial à formulação genérica e muito distante
dos artigos 215 e 216, da Constituição Federal de 1988, destinados à cultura.
Segundo Lindoso, o segmento cultural que absorve mais gastos dentro do
Ministério da Cultura (MinC) é o patrimônio, e que a política de renúncia de
impostos que o Estado deixa de arrecadar como acontece, por exemplo, com a Lei
Rouanet (criada em 1991) beneficia projetos previamente aprovados e sem um
planejamento de investimento cultural. Ainda, neste sentido, sua crítica
estende-se aos muitos projetos que não permitem o acesso ao grande público.
Ou
seja, a política cultural de fato vigente, por um lado, repousa nas aplicações
na preservação do patrimônio histórico e, por outro, destina-se quase
exclusivamente ao financiamento de eventos e ao dinheiro diretamente absorvido
pelos artistas e produtores culturais. Quase nada se destina a permitir o
acesso público aos “bens culturais” gerados com os recursos públicos. (LINDOSO,
2004, p.24).
Após
fazer esse diagnóstico da atualidade, tece reflexões sobre o contexto histórico
brasileiro para entender como foram tratadas as questões culturais,
especificamente a partir do período joanino
(1808-1822), já que antes, isto é, 3 séculos, o Brasil não tinha nada neste
sentido – não tínhamos imprensa, nem universidades.
É no período joanino que o Brasil começa a ter uma “política de cultura”, mesmo
que restrita de vários pontos de vista: geográfico (somente no Rio de Janeiro),
de público (acessível à elite) e de financiamento (a prática do mecenato para
uma quantidade de artistas reduzidos).
Da
passagem do Império para a República Velha, a grande modificação seria a
desvinculação do patronato elitista, estabelecido no Império com a expansão do
sistema educacional, ou seja, a produção artística começa a ganhar autonomia
(surgimento da música popular e a formação de uma indústria editorial).
Na
segunda seção do livro, intitulada O
Livro e a Política Cultural, Lindoso trata da trajetória da indústria
editorial no Brasil, a qual até 1808 não existia, por haver proibição à colônia
de estabelecer qualquer tipo de imprensa. Porém, com Dom João VI, houve uma
iniciativa de implementação; embora muito restrita, já que era uma imprensa
régia, usada somente para documentos oficiais. Somente em meados do século XIX
é que vamos ter as primeiras casas editoriais, tais como: Laemmert e a Garnier.
No entanto essas casas editoriais mandavam imprimir em Paris e Portugal, porque
as obras saiam mais barato e de melhor qualidade. Um ponto de destaque nesta 2ª
seção é a questão da importância do livro didático na formação do mundo
editorial, pois o Governo e, principalmente, num primeiro momento, as famílias,
passam a comprar devido o começo da sistematização do ensino público, laico e
destinado às camadas populares.
Lindoso
(2004, 92) comenta que
[...] a produção de livros didáticos foi,
desde o início do século, o grande motor para a consolidação de grandes
empresas editoriais. Estas se beneficiavam diretamente dos investimentos do
país na educação, com o aumento da rede física das escolas e do número de
estudantes. Entretanto, a participação direta dos governos (federal, estadual e
municipal) na aquisição de livros era relativamente pequena. As editoras
vendiam para os pais dos alunos, por meio das livrarias.
Neste
sentido, é importante perceber que o livro didático será o principal meio de
leitura e acesso às informações a partir desse momento. Para se der uma idéia,
em 1996, com o Programa Nacional do Livro Didático, o Ministério da Educação
tornou-se o maior comprador de livros do país e do mundo, na época dos dois
primeiros governos de FHC (1995-2001), totalizando a compra de 1 bilhão de
exemplares.
Na terceira e última seção do livro,
Globalização e Cultura, o autor
mostra que o livro foi o primeiro objeto cultural de globalização, iniciado com
a Era Gutenberg (1445), pois permitiu
maior circularidade das produções, visto que diminuiu o preço da produção e
rompeu com fronteiras geográficas. Nesta parte aponta a preocupação com os
conglomerados editoriais, questionando a não abertura para edição de livros de
autores novos, bem como o foco de livros de best-seller e didáticos, por terem
um mercado mais consolidado e de fácil giro. Também são discutidos os direitos
autorais, os quais produzem divisas (nos EUA é a segunda maior divisa, perdendo
somente para a de armamento) e de maneira sucinta, faz algumas reflexões sobre
o livro eletrônico.
Feita essa estrutura dorsal do livro
de Lindoso, perguntamos, afinal, como ele aponta uma possível saída para o
Brasil ser um país de leitores? Esse caminho seria principalmente o
investimento em boas bibliotecas públicas e uma política de Estado para a
leitura e o livro.
No
que se refere às bibliotecas públicas, o autor aponta que
uma
política de bibliotecas públicas é, em primeiro lugar, uma política de inclusão
e de renda. Ao fornecer o acesso aos livros, criam-se dois processos de geração
de renda. O primeiro por fazer mover a engrenagem de produção da indústria
editorial é matemática e economês. Mas, o mais importante é o segundo: a
informação disseminada gera mais renda, mais aquisição não apenas de livros,
como também de informação e formação geral. (LINDOSO, 2004, 136).
No entanto, nos parece que a
formação de um público leitor não perpassa somente por esse ponto, apesar de
reconhecermos que ele é imprescindível. No 2º mandato de FHC houve um projeto
dentro do MinC que queria instalar uma biblioteca em cada município, o que
quase foi concretizado, porém não há um diagnóstico preciso sobre o
funcionamento destas bibliotecas nem se seus acervos são atualizados
regularmente. Ainda, pesquisas recentes como, por exemplo, Retratos da Leitura
no Brasil (2012) mostra que somente 1 de cada 10 brasileiros freqüentam uma
biblioteca.
Já a necessidade de política de
Estado para a questão de uma política cultural do livro, Lindoso tece uma
crítica consistente na separação entre o MEC e o MinC, na época do primeiro
governo civil (Sarney), após a redemocratização, qual seja, “o MEC ficou com o
‘sério’, o que significa resolver e cuidar das questões importantes da
educação, inclusive o livro didático, enquanto o Minc ficou com o simbólico até
hoje, com este se confundindo”. (LINDOSO, 2004, 176).
Para piorar a situação, no governo
Collor (1990-1992) houve o fechamento do Instituto Nacional do Livro (INL),
criado em 1937, no governo Vargas, cujo cuidava dos livros didáticos até o
começo da ditadura militar e das políticas do livro.
No
governo Collor, o INL foi extinto e criou-se o Departamento Nacional do Livro,
como uma diretoria da Biblioteca Nacional (BN), invés de termos um órgão dentro
do MinC, com essa responsabilidade, passa-se para a Biblioteca Nacional, a qual
já tem outras preocupações, o
que torna preocupante quando se quer tratar de uma política de Estado para a
leitura.
Em
resumo, Lindoso aponta para duas ações importantes para o Brasil se tornar um
país de leitores: acesso ao livro através de boas bibliotecas públicas e uma
política de Estado para leitura, juntando novamente o MEC e o MinC nas ações,
como uma secretaria desvinculada da BN, para que as políticas públicas do livro
e leitura ganhem mais seriedade e continuidade.
Enfim, postular favoravelmente, no intuito de
possibilitar o acesso ao livro com a instalação de boas bibliotecas públicas,
além de uma política de Estado, para dar continuidade às políticas, é louvável.
Por outro lado, é preciso investir também, a nosso ver, na formação dos
leitores e de mediadores da leitura, para que possamos obter conquistas importantes rumo a um país de leitores.