Edital n° 5, abril de 2013


Prezados leitores,

é com prazer que trazemos ao conhecimento do público os textos escolhidos no certame do Edital 05/2013 organizado pela Revista Encontro Literário. Como estava previsto no edital, foram selecionados 03 (três) contos para serem publicados na página da revista. Esses textos serão exibidos em postagens separadas, logo abaixo desta. Estão dispostos em ordem alfabética segundo seus títulos, ou seja, a ordem em que são apresentados não corresponde a uma classificação.

Agradecemos a todos os participantes e aos leitores da Revista. Esperamos que vocês possam continuar participando dos nossos editais, além de acompanhar as postagens que são feitas mensalmente por nossos editores.

Informamos aos autores dos textos selecionados que o envio dos certificados de Menção Honrosa e do livro indicado no edital como premiação será feito até o dia 30/06/2013.

Relação de Contos Selecionados

Becos, de Teresa Margarida Pedrosa Cardoso 
O mundo de Macbeth, de Stefane Soares Pereira
O quadro, de Ana Luiza Drummond 

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Becos

por Teresa Margarida Pedrosa Cardoso *

Um homem caminhava pelo deserto há longos dias. Seguia de joelhos, parecendo empenhado como um pagador de promessas. Seguia concentrado na paisagem que lhe surgia à frente. Imutável. Reveladora de uma eternidade sufocadora. Seguia indiferente ao que deixava para trás, ao que o ladeava. E, porque deveria ser diferente? Afinal, o homem era um mero peão num cenário de quase-vácuo, pontuado por ornamentos supérfluos que se repetiam e reciclavam. Era um peão manipulado por um desejo forte de salvamento instantâneo, o que quer que fosse que isso significasse: vida ou morte. O homem aspirava somente a uma resolução milagrosa que o libertasse da sensação de encurralamento. Porque, apesar de se estender à sua frente uma infindável imensidão, havia muito que perdera a bússola. Havia muito que suspeitava andar em círculo; havia muito que suspeitava ter pisado vezes incontáveis as mesmas areias. Estava desorientado, e a única força que o mantinha em movimento era uma crença. A crença de que desistir de caminhar só o afastaria da concretização do milagre que o haveria de libertar.

Entretanto, a sua pele travava batalhas épicas contra insectos famintos e furiosos. Em breve, a aridez do clima faria surgir espinhos à sua superfície e, acabaria por mimetizar um cacto. E, se não encontrasse a saída, o homem e o ambiente não tardariam a fundir e a confundir-se. Porque o deserto parecia um predador, movido por um ávido desejo de engolir o homem. Era aquele silêncio que ensurdecia; era aquele calor que inabilitava o raciocínio astuto; era aquele ar denso que sufocava; era aquele vento que, por vezes, o esbofeteava com punhados de areia.

Em momentos de cansaço, lágrimas misturavam-se com sangue e medo com raiva. A sua mente ameaçava tornar-se numa arca caótica, onde a fantasia tomaria o lugar da realidade, a ânsia de uma solução imediata e a força para a procurar seriam substituídas por cobardia e fraqueza. Deixar-se abandonar, secar, morder era uma ideia recorrente, e demasiado apetecível em ensejos de desgraça. Perseverar tornou-se um gradiente crescente de flagelos. Mexer-se tornou-se uma odisseia amarga. Pensar tornou-se uma tortura. Via a vida segmentada como se a visionasse numa película de filme mudo, entre demorados piscar-de-olhos, e projectada sobre um fundo negro e enfermo. Naquelas ocasiões, parecia-lhe que o passado e o presente se enquadravam mutuamente. Num ápice, chegou ao topo da escala da auto-comiseração e ergueu a bandeira do desespero. E, veio-lhe do fundo do seu coração esquartejado, uma necessidade imperiosa de desembaraçar o mundo de si, de expurgá-lo de qualquer prova da sua existência. Se ao menos o seu coração fosse uma sombra, um vulto diáfano…

Até que…se deparou com um oásis. Foi uma réstia de água, foi a sombra fragmentada de uma palmeira mas, foi sobretudo o consolo da novidade na paisagem que lhe deu um novo impulso, que lhe ressuscitou a esperança, quase morta, num destino sensato e profícuo. E, foi então que decidiu jamais voltar a duvidar, a hesitar, a congeminar uma desistência. Ao contrário, restabeleceu-se e reergueu o seu corpo. Gritos oriundos das profundezas do seu âmago retaliaram a morte outrora anunciada. O calor da areia quente sob os pés incitou-o a correr, a saltar, a voar. Uma antiga bênção celta escapou-lhe por entre os lábios: «Que a estrada se erga para te encontrar, que o vento esteja sempre nas tuas costas, que o sol brilhe quente na tua face, que a chuva caia suavemente no teu campo, e até te encontrar de novo, que Deus te guarde na palma da Sua mão.»

E, um dia, depois de muitos dias iguais, recheados da mesma areia, do vento derrubador, de insectos sanguinários e de securas letais, encontrou a porta do mundo. Foi uma descoberta tão inesperada, que o homem se sentiu inábil e ignóbil. Sentiu-se frágil e hesitante. E, se a porta escondesse pesadelos maiores? Não, não! «Jamais voltar a duvidar, a hesitar, a congeminar uma desistência.» foram as palavras que instantaneamente assaltaram o seu cérebro confuso, tornando explícito o seu dever. Abriu a porta. Maravilhado com o cenário que se espraiava diante dos seus olhos, deu um passo. E, porque não se apercebeu do buraco profundo que o separava do cenário encantatório que o cegava, caiu.

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* Teresa Margarida Pedrosa Cardoso tem 33 anos. Nasceu e vive em Portugal. Licenciada em Biologia e doutora em Bioquímica, trabalha como professora universitária. Apesar de possuir um conjunto de textos em poesia e prosa escritos, publica somente trabalhos de caráter científico. Antes da participação na Revista Encontro Literário, apenas em uma ocasião havia publicado um dos seus trabalhos de índole literária. Isto aconteceu no âmbito de uma ação promovida por um agente cultural com o objetivo de aproximar a poesia dos habitantes da sua cidade. 

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O mundo de Macbeth

por  Stefane Soares Pereira *

Dizem que a partir de uma era denominada moderna a humanidade passou a ter consciência das barbaridades que tencionaram na vida do outro. Retomaram as tragédias gregas e as esboçaram em arte, em beleza e encantamento. O saber humanista expandiu-se também para as leis e os bárbaros subiram ao palco grego e dançaram em alegria amistosa e aspiraram à liberdade.

E muita fé religiosa e não religiosa conspirou em corações ansiosos de esperança. E essa crença persistiu em meio a artigos e pronunciamentos políticos. Até que um dia pedi que as estrelas escondessem suas chamas, e que não deixasse sua luz irradiar em meus desejos sombrios e profundos.

Era eu o presidente da Comissão dos Direitos Humanos e da Cidadania. Eu que um dia me encontrava em meio a papeis e jornais e livros que a elite jogava fora. Eu que não tinha nada comecei a lê-los e imaginar que um dia eu também estaria no jornal, eu também faria diferença no mundo. Fiz vestibular e cheguei onde queria. Nunca senti medo da minha natureza. Alçar grandes voos era o meu destino.

Casei-me e estava feliz. Ganhava muito bem, trabalha três dias da semana e amava as férias na Europa. Mas não algo me dizia que mudanças deveriam acontecer. Como uma profecia as forças do mal já prediziam, desde minha infância, minha indignidade.

Com alta idade testava os sentimentos psicopatas abusando das garotinhas lindas que estavam da puberdade, assim como das mães das mães das mães e também dos garotinhos de classe média que amam voltar tarde para casa. Procura uma explicação freudiana para além do mal. Todavia, não encontrei. Então quando virei gente resolvi fingir que era uma pessoa comum. Até que me cansei.

E então quando eu atingi a agulha da torre eu resolvi expor todo o meu veneno. Ultrapassar constituições e afirmar meus ideais publicamente. Minha aversão aos negros, aos homossexuais e, claro, também as mulheres, embora eu as amasse como minhas servas. Sempre as escolhi para poder manipulá-las e afirmar minha masculinidade.

A humilhação me alimenta. Negar as férias dos empregados, o repouso, o lazer, colocar criança para trabalhar, se for escurinha então que sustento! Punir meu próprio filho porque ele espancou um pedinte? Jamais! Há pessoas que não tem direito à vida. A legislação faz essa imposição porque sabe que não funciona na prática. E quem fomenta o cumprimento desses direitos acaba perdendo, a vida.

O capitalismo se institui e permanece não porque as pessoas querem ser solidárias. Se o fossem seríamos comunistas! Por isso sou homem das leis, assim como muitos são homens da vida, os quais podem decidir o quanto de despesas a sociedade deve produzir e o quanto de lucro deve gerar para seus usufrutos.

A cobiça nos nutre e para isso devemos nos silenciar quando somos beneficiados, silenciar quando o outro é injustiçado e sorrir para todo o todo, afinal, cada um vive por si. Assim, cheguei ao auge, mas logo o mundo me mostrou que a soberania não me pertencia, ela não me é suprema; quando os pequenos me mostraram que mesmo agindo a meu favor ininterruptamente um dia eu mesmo encontraria o meu inferno dantesco. E antes desse artifício minha esposa me trapaceou, prendendo-me em uma ilha sombria, perseguidora e tenebrosa. 

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* Stefane Soares Pereira, vive em Juiz de Fora. É mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora e Doutoranda da mesma instituição.

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O quadro

por Ana Luiza Drummond *

É possível que um dia eu me apaixone pelas obras de Pollock. Isso já me aconteceu antes. Passei muito tempo odiando Borges, acusando-o de pseudoescritor, simplesmente por que não entendia bulhufas de seu Tlön. Familiarizei-me com ele após a 5ª leitura, hoje já devo estar na 15ª; daqui a um tempo o decoro, mas ainda me custa sua amplitude desgovernada. Pois é, mas enquanto isso, continuo odiando Pollock e seu estrelismo medido, contrário aos seus pingos e riscos (por mais que ele negue). É por isso que estou agindo dessa forma (gosto disso mais do que acredito e menos do que não espero?). Mantenho-me distante, do outro lado da sala, e espero pela resolução da cena. Já explico: essa é sua primeira exposição e ele está orgulhoso de si, embora demasiadamente nervoso. Não nego que talvez, no início, eu tenha tentado desencorajá-lo. Penso mesmo que cheguei a dizer que via Pollock em seus quadros, sabendo eu que sabia ele minha repulsa. Sou uma pessoa sem o gift do inglês, embora me sobre o do alemão (sempre me apeteceu esse péssimo joguinho, pois que fique!). Não tenho problema algum com a arte moderna, embora me encante a l’art pour l’art. O problema é que eu não considero nenhuma de suas obras como arte. Ele se prepara, eu o encaro. Baixa-se, então, o pano. Sua mais recente e estimada obra, que ninguém, exceto ele, havia visto, está exposta. Ponho-me diante dela e a miro, com toda minha força. Um jato de gargalhadas jorra de dentro de mim sem que eu consiga obstruí-lo. Saio em retirada molhando e contaminando a todos os presentes, que ao mesmo tempo se unem a mim naquela sensação molhada de não sei quê. Passo por uma porta entreaberta e vejo-me numa sala difusa. Ao mesmo tempo, entra a correnteza dos demais. Não consigo me controlar e temo pelo pior: sua reputação. Eu o amava. Mas então, que fazia eu? Ao me perguntar, acabei percebendo. Na verdade, eu não fazia nada. Ele é quem fazia! Não havíamos apenas mirado sua obra: estávamos dentro dela! Ele? De costas, do outro lado da porta, ia se retirando enquanto nos afogávamos. 

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* Ana Luiza Drummond nasceu em Ferros, Minas Gerais, em 1988. Atualmente cursa Bacharelado em Estudos Literários e Licenciatura em Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Ouro Preto e é professora de Língua Portuguesa na Escola Estadual Cônego Braga. Publicou recentemente o conto “O pio da coã”, na antologia de contos Fantasiando, além de crônica em revistas semanais. Possui ainda artigos publicados na área da Literatura e da Educação.

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