sábado, 10 de setembro de 2011

Críticas sobre a matéria A Nova Classe Leitora, da Revista Carta Capital, publicada no dia 26 de abril de 2011.

Críticas sobre a matéria A Nova Classe Leitora, da Revista Carta Capital, publicada no dia 26 de abril de 2011.
Confira na íntegra a reportagem [http://www.cartacapital.com.br/cultura/a-nova-classe-leitora].
Primeiro confesso que fiquei surpreendido com uma atitude, que ao final, me pareceu uma aceitação de certo nível de mediocridade referente à leitura, mostrando o desconhecimento de que a leitura não é só o simples ato de ler - muito menos qualquer coisa.
Algumas considerações:
1ª) Tenho para mim que o fator econômico não é condição necessária para o ato de ler, visto que há bibliotecas públicas razoáveis em várias localidades no Brasil. Partindo da experiência micro, tendo Juiz de Fora como exemplo, percebemos que a existência de várias bibliotecas com acesso público, como a da Glória (a maior em acervo), a do Seminário Santo Antônio e a Biblioteca Municipal, sem contar as universitárias, as escolares e bibliotecas comunitárias. Ou seja, o indivíduo sem condição financeira razoável, pode ter acesso à leitura, o que me leva crer que o problema está na formação do leitor, e não necessariamente na renda, apesar desta, ser um fator importante, principalmente na compra do livro.
2ª) Duchiade afirma que é bom e importante a diversificação dos gêneros literários, embora frise que para o mercado editorial a venda dos livros de autoajuda e religiosos são lucrativos. Retirando essa constatação de uma esfera especificamente de mercado, e contrapondo a posição reducionista do antropólogo Felipe Lindoso, percebe-se que há dois processos não mencionados na matéria, a saber: a) a questão da fabulação, onde um determinado tipo de gênero possa ser um trampolim para outros gêneros (transferência de camadas de leitura e níveis de aprofundamento como, por exemplo, a hermenêutica); B) a diferença entre formação do leitor e hábito de leitura.
Acreditar que o bom livro é o que a pessoa lê e que a leitura tenha que atender inquietações pessoais, é desconsiderar e ignorar todo um universo simbólico de natureza histórico-filosófica e obstruir novos horizontes de leitura/conhecimento.
 A formação do leitor requer não só o ato de ler (hábito). É preciso desenvolver outros elementos que fazem parte do mundo de um bom leitor e de um aprofundamento da leitura, tais como: consciência de uma boa tradução, conhecimento do contexto histórico e biográfico, conhecimento dos elementos físicos do livro, manuseamento das informações contidas no livro de maneira a estabelecer relações interdisciplinares com outras áreas – isso é o mínimo!
3º) Outro problema seria até que ponto esse leitor condicionado ao hábito de ler (estímulos), muitas vezes influenciado pela mídia ou pela orientação religiosa, não se torna alheio à literatura (stricto sensu), por falta de informação. Ler, por exemplo, O Sentimento do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade é penetrar em um contexto histórico-social, que envolve várias facetas, da crítica social a um sentimento do eu frente ao mundo, e isso além de provável resposta a inquietações pessoais, pois coloca o indivíduo numa  situação de um constructo que envolve coletividade, conhecimento de quem foi o autor, onde ele escreveu, o que levou ele ter aquele estilo de escrita, etc. Ler Crime e Castigo, de Dostoievski, é entrar num contexto russo, explorando a fabulação com temas pertencentes aquilo que se chama de universal (a questão moral), o que é “pano pra manga” para discutir inclusive questões relacionadas à religião, comportamento humano (psicológico), sistemas filosóficos, características sociológicas, estilística, etc, os quais os gêneros de autoajuda e religiosos, em meu ponto de vista, não proporcionam.
Muitas vezes o leitor nem sabe que essas obras existem (literatura stricto sensu), até mesmo porque o que bate em sua porta, o que aparece na revista de beleza, o que está exposto nas vitrines são aqueles produtos que o mercado editorial acha palatável, fácil de ler e com preço acessível, e pela falta de vários fatores, tais como:a formação do leitor, políticas públicas em leitura e um sistema educacional “falho” (independente de ser uma educação pública ou privada, universitária ou básica) cerceiam as escolhas dessa “nova classe de leitores” (e por que não as outras classes, A e B?). Por isso é importante a formação do leitor invés do hábito da leitura, na qual também existam políticas públicas que facilitem o conhecimento e o acesso daquelas obras literárias, até mesmo para que o leitor tenha condições suficientes para escolher e aprofundar a sua leitura.
Enfim, é ser reducionista e até mesmo ingênuo dizer, como faz o antropólogo citado, que a pessoas vão ler os livros, mas não os que os intelectuais querem. Neste sentido são válidas as leituras do livro Por que ler os Clássicos, de Ítalo Calvino e Como e por que ler os clássicos universais desde cedo, de Ana Maria Claro Machado. Além disso, é interessante apontar para grupos de leitura, os quais vêm desenvolvendo a formação do leitor, conforme mencionamos.[1]


[1] Conferir: www.grupoprazerdaleitura.blogspot.com e www.palimpsestos-jf.blogspot.com

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