Não sei o que dizer aos amigos editores e, mais ainda, aos estimados leitores da Revista Encontro Literário pelo (constante) atraso das minhas colunas mensais. Até porque não me ocorrem outras explicações que não sejam a dificuldade em escolher os temas e, claro, uma excessiva dose de desorganização.
Bom, pode ser também uma espécie de mania que eu tenho e que o leitor mais atento já deve ter notado: dificilmente começo o texto indo direto ao ponto, e trato de alongar-me em "pretextualidades" que permitem que as ideias se acomodem e venham mais arrumadinhas para a página da revista.
Agora que todos passaram os olhos pela "oficina do autor", vamos ao que interessa: o tema da vez. Após homenagear, com atraso, o escritor Monteiro Lobato (veja a postagem a esse respeito aqui), faço outra homenagem pós-data: aos negros, cuja libertação da condição de escravos completou 124 anos no último mês de maio.

Esses cantos de trabalho, chamados vissungos, foram um marco no estudo etnográfico brasileiro, pois demonstravam que no nosso país não foram só os negros nagôs da Bahia quem deixaram contribuições linguísticas e culturais de grande importância, mas também os bantus trazidos a Minas Gerais. Ao publicar tal obra, Aires da Mata Machado recuperava um acervo cultural e rítmico importante para se compreender um pouco melhor como se processou a formação da língua e da música que hoje temos como nossas, iluminando melhor nosso passado colonial.
Apesar de publicada há mais de 60 anos, estamos frente a uma obra que pode ser adquirida com relativa facilidade em edição da Itatiaia Editora (capa acima). Vejam aqui os resultados da busca pela Estante Virtual: http://www.estantevirtual.com.br/qtit/o-negro-e-o-garimpo-em-minas-gerais
Essa obra capital teve alguns desdobramentos. O primeiro que vou focalizar, é o poemário Romanceiro da Abolição, de Stella Leonardos, publicado em 1986 e premiado, na ocasião, com o terceiro lugar na categoria poesia do Prêmio Bienal Nestlé de Literatura Brasileira. Para dizer a verdade, a autora não bebe apenas da fonte de Mata Machado, reportando-se ainda a cantos e outros achados de gente do naipe de Mário de Andrade e Luís da Câmara Cascudo. Com um título e uma técnica poética que remetem ao conhecido livro de Cecília Meireles publicado em 1953, essa obra descreve a saga dos povos africanos em terras brasileiras.

Deixo aqui um desses poemas para que vocês apreciem:
“Com licença do curiandamba”...
“Papai auê”...
Vissungos coligidos por Aires da Mata Machado Filho
CANTO NA NOITE FECHADA
Licença, curiandamba,
de mostrar pra vosmicê
nessa malamba de vida
saudade avoando ferida
nas asas de tatanguê?
“Papai auê
mamãe, papai auê
Iô, fero a, siquê
tequirombô maianê
a ê, mamãe ê”
A noite banza, manganga,
com seu povo jeito noite,
riso morto, mar nos olhos
das estrelas de: por quê?

Trata-se, sem dúvida, de um trabalho corajoso, que vai na contramão das tendências mercadológicas que valorizam composições de gosto duvidoso e que se destinam unicamente a embalar um "remeximento das cadeiras" dos ouvintes. (Isto para dizer o mínimo e de modo respeitoso aos leitores.)
Tenho comigo que a audição do referido disco é uma oportunidade e tanto para conhecer e valorizar as "raízes do Brasil", normalmente tão esquecidas. Abaixo disponibilizo para audição uma das faixas do disco. Espero que gostem!
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