sexta-feira, 29 de junho de 2012

A cultura audiovisual e a construção de um país de leitores no Brasil

A cultura audiovisual e a construção de um país de leitores no Brasil

"Um país se faz com homens e livros" (Monteiro Lobato)
Raphael de Oliveira Reis[1]


Não é novidade para ninguém que o Brasil é um país de não leitores, assim como acontece também nos outros países da América Latina. Principalmente se considerarmos leitores aqueles que leem livro (seja ele o tradicional, em arquivo pdf, e-book ou audiobook). Se ainda quisermos ser um pouco mais exigentes, retirando os livros do momento (best-sellers e os de autoajuda/esoterismo/religioso) os números são, no mínimo, preocupantes.

A principal razão apontada pelos não leitores para não ler é a falta de tempo. Conjuga-se a isso que a leitura ainda não é vista como uma atividade para ser exercida no tempo livre, já que neste há uma escolha predominante pelo audiovisual. Por exemplo, no Brasil, as pessoas preferem assistir televisão (85%), escutar música ou rádio (52%), descansar (51%), reunir com amigos ou família (44%) e assistir filmes (38%). Ler só aparece em 6º lugar com 28%, mesmo considerando os diversos meios de leitura (jornais, revistas, livros e textos na internet). (IPL, Retratos da Leitura, 2012, p. 42). Esses dados nos mostram que a relação dos brasileiros com o audiovisual é mais íntima do que com a leitura.

Como aponta o historiador Nelson Werneck Sodré (1999), a cultura de massa desde a metade do século XX é anterior a relação com o livro e leitura no Brasil, pois “o brasileiro passou, sem mediação, da oralidade para a cultura audiovisual, ou seja: tem acesso a uma tecnologia mais avançada de gravação antes de sua precedente e sem a qual, poderíamos dizer, está mais apto a ver as imagens do que lê-las”.[2]

Um dado interessante que corrobora a análise de Sodré são as citações de obras literárias pela personagem Tufão, da novela Avenida Brasil (2012), transmitida pela Rede Globo no horário das 21:00 horas, despertando o interesse de telespectadores e o aumento de vendas das obras lidas por ele. Dentre essas obras estão os clássicos: Dom Casmurro, de Machado de Assis; A Interpretação dos Sonhos, de Freud; A Metamorfose, de Franz Kafka; Memórias Póstumas de Brás Cubas; e Madame Bovary, de Flaubert. Neste caso, a televisão, mesmo sem ter esse objetivo de estimular a leitura, visto que os livros supracitados fazem parte da trama da novela e não de um projeto de divulgação literária, acabam exercendo um papel positivo, ou melhor, legal. Por outro lado, sabemos que a indústria cultural está pouco interessada na qualidade do leitor e da leitura, e sim em vender livros, construir um país de leitores independente do gênero, da qualidade da leitura, desde que comprem. Isso fica nítido no trabalho de marketing das editoras em fabricarem livros best-seller, contando com uma estratégia da mídia de massa (rádio, televisão e cinema). Muitos livros que tiveram uma explosão de vendas passaram primeiro pelas telas do cinema e de outros meios de divulgação (ver a coleção Henry Potter e da Saga Crepúsculo).

É curioso notar que o lugar da leitura no tempo livre ganha mais destaque na América Latina somente na Argentina (66%). Nos outros países é bem baixo, a saber: Colômbia (31%), República Dominicana (19%), Uruguai (19%), México (13%) e Chile (5%). (Jaramillo e Monak, 2012, p. 11).

Ressalto que a variável falta de tempo para a leitura dispara comparada às outras opções, como já dissemos anteriormente. Motivos relacionados a dinheiro (para a compra do livro) ou de acesso (bibliotecas e livrarias) são pouco considerados pelos entrevistados na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2012), o que nos leva a considerar a hipótese de que a renda não é um fator determinante nem o mais importante para ser um leitor. Neste sentido os dados da pesquisa mostram uma desmistificação entre renda e leitura.

Por fim, se quisermos um país de leitores precisamos urgentemente trabalhar com a formação do leitor, lembrando que esta está diretamente ligada aos mediadores da leitura (professores, bibliotecários, pais, etc.), os quais para formarem leitores precisam ser leitores formados. E que a leitura também seja uma atividade do cotidiano, valorizada socialmente, para ser exercida no tempo livre e que está diretamente relacionada à qualidade de vida, já que aponta caminhos e horizontes os mais diversos possíveis.



Referências:



INSTITUTO PRÓ-LIVRO (IPL). Retratos da Leitura no Brasil. 2012. Disponível em [www...http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/2834_10.pdf]. Acesso em 10/05/2012.



JARAMILLO, Bernardo e MONAK, Lenin.  Comportamento do leitor e hábitos de leitura: comparativo de resultados em alguns países da América Latina. Pesquisada apresentada no II Seminário Retratos da Leitura no Brasil, Brasília, 2012. Disponível em [http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/2834.pdf]. Acesso: 08/06/2012.



SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de História da Cultura Brasileira. 19ª ed. RJ: Bertrand Brasil, 1999.



[1] É Mestrando em Educação (PPGE-UFJF), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Social (UFJF) e Graduado em História (UFJF). Atualmente, trabalha como Professor de Suporte Acadêmico no Caed-UFJF, Assessor Político e ministra cursos de formação do leitor e formação política.
[2] Neste sentido, é válido lembrar que em meados do século XX, mais da metade da população brasileira era analfabeta.

Um comentário:

  1. Raphael, bom texto!

    Todos sabemos que a demanda por leitura é alta, e prova disso é que o tema já alcançou a magnitude necessária para aparecer na trama da novela das 21h, que já tratou de casamento gat, violência contra a mulher, crianças desaparecidas, cura do câncer, etc. etc.

    Não vou entrar no mérito se o que estão fazendo agora visa incentivar as pessoas a ler ou a comprar livros... o problema é que apesar de o Tufão poder servir de exemplo para as pessoas, nós ainda dependemos de uma política educacional que esteja realmente comprometida com a formação de leitores e mediadores de leitura, como seu texto tão bem aponta. Sem isso, não temos como resolver a questão e trazer a leitura para uma ambiência mais íntima.

    Abraço!

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