sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Poesia Pérsia: o Rubaiyat, de Omar Khayyan

Poesia Pérsia: o Rubaiyat, de Omar Khayyan

Raphael de Oliveira Reis[1]

A poesia não é menos misteriosa que os outros elementos do orbe. Tal ou qual verso afortunado não pode envaidecer-nos, porque é dom do Acaso ou do Espírito; só os erros são nossos. (Borges, Elogio a Sombra, 1969)


Particularmente, em minhas leituras, sempre privilegiei os gêneros conto e romance, pois tinha dificuldades em ler poesias.
Na época em que cursei a disciplina Literatura Espanhola (UFJF), a professora Silvina Carrizo detectou a chave desta questão, dizendo: “você não pode querer racionalizar todas as poesias; muitas poesias são para ser sentidas”. Isto de fato ficou gravado em minha memória e a cada obra de poesia lida a partir deste momento, fazia um esforço para sentir e não racionalizar. Porém, confesso que somente a partir dos Rubaiyat, de Omar Khayyam, que consegui sentir a poesia com naturalidade. Claro, isso pode estar aliado a 3 temáticas que aparecem em boa parte de seus Rubaiyat, e que me fascinam, a saber: a vida, a mulher e no meio destes dois, o vinho.
     O verdadeiro nome de Omar Khayyan era Ghiyath Al Din Abul Fateh Omar Ibn Ibrahim Al Khayyan e nasceu em Nishapur, a capital provincial de Khurasan em torno de 1044 e morreu em Bishapur, em 1123. Foi matemático, astrônomo, filósofo, médico e poeta persa – a partir de 1935, a Pérsia passou a ser denominada Irã.



A álgebra foi o primeiro campo no qual fez grandes contribuições, fez uma tentativa de classificar a maioria das equações algébricas, incluindo as equações de terceiro grau. Desenvolveu também a expansão binomial quando o expoente é um inteiro positivo. Foi considerado o primeiro a encontrar o teorema binomial e determinar coeficientes binominais. Na geometria, estudou generalidades de Euclides, contribuindo assim com a teoria das linhas paralelas.


Suas contribuições a outros campos da ciência incluem um estudo das  generalidades de Euclides, do desenvolvimento dos métodos para a determinação  exata da gravidade específica. Na metafísica, escreveu três livros: Risala, Dar Wujud e o Nauruz-namah  recentemente descoberto. Era também um astrônomo de renome e um médico.


Apesar de ser um cientista, Omar Khayyan era também um ótimo poeta, e foi com a poesia que tornou-se conhecido mundialmente, em 1839, quando Edward Fitzgerald publicou uma tradução inglesa de seu Rubaiyat.




Este se tornou em um dos clássicos mais populares da literatura mundial. Deve-se considerar que é praticamente impossível traduzir exatamente todo o trabalho literário em outra língua, principalmente na língua árabe e seguindo a métrica que o persa utilizou para compor seu Rubaiyat. Apesar destas dificuldades, a popularidade da tradução do Rubaiyat indicaria a riqueza de seu pensamento.


Uma das coisas mais interessantes neste livro, aliás, o que acontece com os bons livros, são os múltiplos níveis de interpretação que ele permite ao leitor. Da maneira como é escrito, uma seqüência de 120 quadras, sendo que cada quadra contém dois primeiros versos rimados, o terceiro verso é livre e o quarto volta com a rima. No entanto, ao se traduzir, é dificílimo manter as rimas entre os dois primeiros versos com o quarto verso, embora isso não seja um empecilho para o deleite da poesia de Omar Khayyan.


O vinho, símbolo principal da obra, o qualprovoca a embriaguez, condenado tão veementemente pelo islamismo e adorado pela antiguidade romana, cujo representa o hedonismo, a sensualidade, a ignorância e o contato mais suave com a mulher e com o amor.


            Além dessas questões supracitadas, não poderia deixar de mencionar a criativa intextualidade do genial e enigmático escritor argentino, Jorge Luis Borges, em seu livro “Elogio a Sombra”, de 1969, onde homenageia o autor persa com o seguinte Rubaiyat:





Volte em minha voz a métrica do persa


A recordar que o tempo é a diversa


Trama de sonhos ávidos que somos


E que o secreto Sonhador dispersa.



Volte a afirmar que é a cinza o fogo,


A carne o pó, o rio o fugidio


Reflexo de tua vida e de minha vida


Que lentamente se nos esvai logo.


Volte a afirmar que o árduo monumento


Que constrói a soberba é como o vento


Que passa e que, à luz inconcebível


De Quem perdura, um século é um momento





Volte a advertir que o rouxinol de ouro


Canta uma única vez no sonoro


Ápice da noite e que os astros


Avaros não prodigam seu tesouro.





Volte a lua ao verso que tua mão


Escreve como transforma no temporão


Azul o teu jardim. A mesma lua


Desse jardim há de procurar-te em vão.





Sejam sob a lua das ternas


Tardes teu humilde exemplo as cisternas,


Em cujo espelho de água se repetem


Umas poucas imagens eternas.



Que a lua do persa e os incertos


Ouros dos crepúsculos desertos


Voltem. Hoje é ontem. És os outros


Cujo rosto é o pó. És os mortos.





Enfim, deixo-vos com um aperitivo de alguns poemas do Rubaiyat, de Omar Khayyan:


1


Nunca murmurei uma prece,


nem escondi os meus pecados.


Ignoro se existe uma Justiça, ou Misericórdia;


mas não desespero: sou um homem sincero.





9


Que pobre o coração que não sabe amar


e não conhece o delírio da paixão.


Se não amas, que sol pode te aquecer,


ou que lua te consolar?



14


Tenho igual desprezo por libertinos ou devotos.


Quem irá dizer se terão o Céu ou o Inferno?


Conheces alguém que visitou esses lugares?


E ainda queres encher o mar com pedras?


21


Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam,


com medo do inferno; mas se realmente soubessem


dos segredos de Deus, não iam plantar


as mesquinhas sementes do medo e da súplica.


26


Ninguém desvendará o Mistério. Nunca saberemos


o que se oculta por trás das aparências.


As nossas moradas são provisórias, menos aquela última.


Não vamos falar, toma o teu vinho.



37


Quando me falam das delícias que na outra vida


os eleitos irão gozar, respondo:


Confio no vinho, não em promessas;


o som dos tambores só é belo ao longe.


58


Senta-te e bebe, felicidade que Mahmud não teve.


Escuta os sussuros dos amantes, são os Salmos de Davi.


Não te importes com o passado, não sondes o futuro,


não percas este instante: Eis a paz.



66


Vinho, bálsamo para o meu coração doente,


vinho da cor das rosas, vinho perfumado


para calar a minha dor. Vinho, e o teu alaúde


de cordas de seda, minha amada.


92


Não aprendeste nada com os sábios,


mas o roçar dos lábios de uma mulher em teu peito


pode te revelar a felicidade.


Tens os dias contados. Toma vinho.


Observação: A íntegra da obra está em domínio público e pode ser facilmente baixada na internet.




[1] É Mestrando em Educação (UFJF), Especialista em Políticas Públicas (UFJF), e Graduado em História (UFJF). Trabalha como Professor de Suporte Acadêmico no Caed-UFJF, Editor na Revista Encontro Literário, Assessor Político e Consultor na área de Formação do Leitor e Formação Política.



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