
Ao redor deste escritor mineiro paira o mito de que ele é "mais estudado na Academia que lido fora dela", o que talvez seja verdade nestes tempos de pouca leitura e busca de conforto nos braços da autoajuda. O que contribuiu para esse ostracismo foi a marcada diferença existente entre o autor e seus contemporâneos. Se de Jorge Amado pode-se dizer que pintou (e fixou) em romances épicos o jeito de ser e os costumes baianos, de Lúcio temos a constatação de que ele tentou, ao contrário, demolir Minas Gerais, atacando os valores encarnados na família mineira: casamento, zelo da reputação, contenção dos desejos sob a influência do catolicismo.
Lúcio Cardoso não esteve comprometido com um projeto literário focado no social e sim no adensamento da investigação ontológica. Dizendo de outro modo, ele também tentou, à sua maneira, contribuir para a definição da identidade do Brasil na primeira metade do séc. XX, porém, apontou com suas obras para as contradições, receios e jogos de máscaras da nossa sociedade.

Como o objetivo da minha coluna na revista não é somente louvar as personalidades literárias do nosso meio, faço aqui a ponte com um filme que se baseou no romance em referência. Dirigido por Paulo Cesar Saraceni e roteiro adaptado pelo próprio Lúcio Cardoso antes de falecer, estreou em 1971 o filme A Casa Assassinada, que transpõe para as telas ao longo de 103 minutos o essencial da obra cardosiana, com destaque para as atuações de Norma Bengell no papel de Nina e de Carlos Kroeber no papel de Timóteo, um dos irmãos de Valdo e "ovelha negra" da família, assombroso em sua obesidade acomodada em trajes femininos de uma avó do clã dos Meneses. O longa metragem conta com trilha sonora composta pelo maestro Antônio Carlos Jobim. Acima apresento a imagem do cartaz do filme e, à falta de um trecho do mesmo, termino essa postagem com um vídeo em que a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo executa parte da obra composta por Jobim para a película.
PS: Abaixo uma breve apresentação de outras obras de Lúcio Cardoso.
Maleita (1934)
Primeira obra do autor, escrita aos 16 anos. O título refere-se à doença endêmica na região do rio São Francisco
Salgueiro (1935)
A ação se passa no morro carioca homônimo e trata da miséria de três gerações de habitantes do lugar
A luz no subsolo (1936)
A loucura que se abate em um casal depois da chegada, em sua casa, de uma nova empregada
Dias perdidos (1943)
Trata da trajetória de Silvio, que parte de Minas Gerais para o Rio de Janeiro após a morte dos pais
Inácio, O enfeitiçado e Baltazar (esta última, inacabada) (1944, 1954 e 2002, respectivamente)
Três novelas centradas no personagem Inácio, que convive com alcoólatras, prostitutas e assassinos de aluguel
PS (2): Segue também uma relação (bem resumida) de títulos mais novos dedicados à avaliação crítica da obra do autor.
* O riso escuro ou o pavão de luto: um percurso pela poesia de Lúcio Cardoso. Prefácio de Ruth Silviano Brandão. São Paulo, Edusp/Nankin, 2006. - de Ésio Macedo Ribeiro
* Lúcio Cardoso: Paixão e Morte na Literatura Brasileira. Maceió: Edufal, 2004 - de Enaura Quixabeira Rosa e Silva
* Espaços de memória: uma leitura de Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. - de Marta Cavalcante de Barros
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